A visão conservadora afirma que somente uma elite tem grau de racionalidade e de capacidade analítica necessário para compreender o bem comum. Afirma ainda que a propriedade garante a liberdade, mas exige a desigualdade. Essas ideias estão muito presentes ainda hoje, expressando-se, por exemplo, quando se afirma que o povo não sabe votar, que para ser político são necessários determinados atributos que, normalmente, só os membros da classe proprietária possuem, como nível universitário, experiência administrativa etc. A ação e o discurso contra a presença de trabalhadores, ou daqueles que defendem seus direitos políticos, é algo muito antigo, mas está presente na sociedade contemporânea em geral, e muito claramente no Brasil.
Muitas pessoas pensam que só se pode fazer política institucional por meio de partidos políticos. Mas os partidos nascem por causa da pressão exercida por quem não tem acesso ao poder. Já foi o tempo em que votavam e eram votados, na prática, apenas os que possuíam propriedades e riqueza, ou seja, aqueles que podiam viver para a política, já que não precisavam se preocupar com seu sustento.
Somente quando outros setores da sociedade começaram a lutar por participação na vida política institucional, principalmente os trabalhadores organizados, os partidos políticos começaram a aparecer e a defender interesses diferentes: de um lado, o daqueles que queriam mudar a situação e, de outro, o daqueles que queriam mantê-la.
É uma aberração considerar a democracia uma criação da burguesia. Essa classe sempre procurou impedir que o liberarismo se tornasse democrático, limitando o sufrágio universal e a ampliação de direitos, como os de associação e de greve, e criando outras tantas artimanhas para excluir a maior parte da população da participação nas decisões políticas. A democracia é a criação continua de novos direitos. Não é apenas consenso, mas principalmente a existência de dissenso.
A democracia que conhecemos instituiu-se por vias selvagens, sob o efeito de reivindicações que se mostraram indomesticáveis. E todo aquele que tenha os olhos voltados para a luta de classes, deveria convir que ela foi uma luta pela conquista de direitos – exatamente aqueles que se mostram hoje constitutivos da própria democracia. Poderoso agente da revolução democrática, o movimento operário talvez tenha, por seu turno, se atolado na lama das burocracias, nascidas da necessidade de sua organização. Acontece, no entanto, para além dos choques de interesses particulares nos quais a democracia corre o risco de se deteriorar, que os conflitos que atravessam a sociedade em todos os níveis sempre deixam visíveis uma oposição geral, que é sua mola mestra, entre dominação e servidão. Sem dúvida, essa oposição nunca é nomeada.