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“A Páscoa e a arte”

No sentido da palavra religião de se religar com a própria vida e com o mundo, toda arte é uma conexão e um recomeço perene. Nesse sentido, a celebração da igreja cristã em homenagem a ressurreição de Jesus Cristo encontra um paralelo com o morrer e nascer que cada obra de arte propicia. O fim da criação de cada uma delas e o começo de outra são processos eternos.

É bom lembrar que as comemorações referentes à Páscoa começam na Sexta Feira Santa, momento da crucificação de Jesus, terminando no Domingo de Páscoa, que celebra a ressurreição e o seu primeiro aparecimento aos discípulos. Analogamente, o processo de criação, que alguns vem como dor necessária e outros com prazer, encerra-se com o final de uma obra, que surge ao público, que, tal qual discípulo, a “lê” e interpreta atentamente.

A Semana Santa é ainda a última semana da Quaresma, período em que os fiéis cristãos devem permanecer por 40 dias em constante jejum e penitências. Existe aqui a ideia de que a dor e o sofrimento levam à compreensão. E, salvo exageros, muitos entendem o processo criativo justamente como uma passagem, nem sempre fácil, de um estado para outro.

E, etimologicamente, o termo Páscoa se originou do latim Pascha, que por sua vez, deriva do hebraico Pessach / Pesach, que significa “a passagem”. Esse, aliás, é o sentido da Páscoa para os judeus, que tem na Páscoa uma antiga festa realizada para celebrar a libertação do povo hebreu do cativeiro no Egito, aproximadamente em 1280 a.C.

E esse conceito de liberdade, de “passagem” de um estado para outro, se multiplica por dois dos tradicionais símbolos da Páscoa: o coelho, representando a fertilidade; e o ovo, a própria vida. O conceito geral, associado ao prazer do doce chocolate, está na concepção da passagem da infelicidade para a felicidade; das trevas para a luz.

Assim pode ser a arte. Se muitas vezes parece que a realidade circundante é um universo de escuridão, a capacidade humana de criar faz abrir frestas de luz no cotidiano. É esse renascer para a própria vida que a criação artística possibilita. Não se trata de religião no sentido sistêmico, mas de religação com a própria capacidade de estar e de viver no mundo, recriando-o a cada instante. Feliz Páscoa de religação para todos!

Oscar D’Ambrosio, jornalista, mestre em Artes Visuais pela Unesp e doutor em Educação, Arte e História da Cultura.

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