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Parabéns São Bernardo!

DCIM/PANORAMA/984_0004/DJI

São Bernardo está completando 470 anos neste domingo, dia 20 de agosto, mas muita gente ainda não sabe – ou nunca ouviu falar – como tudo começou. E nem se lembra de como eram alguns dos principais pontos históricos do município em décadas passadas. Pensando nisso, o Jornal Imprensa ABC apresenta nesta edição especial um pouco da história e algumas fotos, de um passado não tão distante, do maior município da região do Grande ABC

*material retirado de registros do Histórico da Cidade de São Bernardo do Campo

João Ramalho e a Vila de Santo André da Borda do Campo

Conforme tradição oficializada no século XX, a idade de São Bernardo é contada a partir de 08 de abril 1553, data da fundação da Vila de Santo André da Borda do Campo por João Ramalho, que foi nomeado Alcaide (cargo semelhante ao de Prefeito).

Os padres jesuítas, que já possuíam um colégio na Vila de São Vicente, obtiveram autorização para instalar outro, que receberia o nome de Colégio de São Paulo, situado numa colina entre os rios Tamanduateí e Anhangabaú, nos limites do rocio de Santo André.

Em 1560, tendo se formado um bairro no entorno do colégio dos jesuítas, e estando a vila ameaçada por ataques frequentes dos índios carijós, o Governador Geral do Brasil, Mem de Sá, ordenou a transferência do povoado para as imediações do Colégio, o que deu origem à cidade de São Paulo. Extinguia-se assim o povoamento de Santo André da Borda do Campo, sem deixar qualquer vínculo conhecido com as populações que ocupariam posteriormente a região do ABC paulista. A localização precisa dessa vila ainda hoje é incerta, não havendo dela qualquer registro arqueológico conhecido.

Os monges beneditinos e o povoamento da região

No século XVII, registros mostram que a região era ocupada por alguns lavradores e criadores de gado dispersos nas vastas terras daquela área, que era conhecida como Borda do Campo, vinculada à Vila de São Paulo e cortada pelo caminho de Santos.

Em 1637, Miguel Aires Maldonado doaria aos monges beneditinos uma sesmaria, herdada do seu sogro Amador de Medeiros, que abrangia áreas na localidade. A ocupação pelos monges das terras doadas só se daria em princípios do século XVIII, quando lá instalaram uma fazenda, cuja sede ficava entre o Ribeirão dos Meninos e o antigo caminho de mar, próxima ao local onde hoje se encontra a confluência das avenidas Vergueiro e Kennedy. Ali, em 1717, o Abade Frei Bartolomeu da Conceição ordenara a construção de uma capela dedicada a São Bernardo. A fazenda dos monges emprestaria o nome à região, que passaria a ser conhecida como bairro de São Bernardo.[1]

A economia local seria impactada com a construção da calçada do Lorena (1789-1791), no trecho da serra do caminho do mar. Com a calçada, o transporte de mercadorias (principalmente o açúcar) por meio de muares até o litoral foi facilitado e São Bernardo, estrategicamente posicionada entre Santos e São Paulo, teria no tropeirismo um dos principais meios de vida dos seus habitantes durante boa parte do século XIX.

Do surgimento da Freguesia de São Bernardo à decadência do tropeirismo

No ano de 1805, sensível à necessidade da população do bairro de dispor de serviços religiosos de forma contínua e em local próximo de seus lares, o Bispo Diocesano Dom Mateus de Abreu Pereira transformou a igrejinha dos monges em capela curada, determinando a presença de “capelão secular a fim de lhes dizer missa e lhes administrar todos os sacramentos” [2]. A atitude do bispo desagradou aos monges, que enxergavam nela uma interferência indevida sobre a capela que lhes pertencia. Iniciou-se aí um conflito que envolvia os monges, as autoridades diocesanas e os interesses populares. Em 21 de outubro de 1812, alvará do Príncipe Regente Dom João VI, confirmando resolução do dia 23 de Setembro, autoriza a criação da Freguesia e da Paróquia de São Bernardo, cuja sede deveria ser na capelinha dos monges e que abarcava em seus limites toda a região do atual ABC. Mas, os religiosos pressionaram, e em janeiro de 1814, uma determinação do príncipe regente definia que a ermida dos beneditinos só deveria ser utilizada provisoriamente como matriz. O padre nomeado para assumir a freguesia, José Basílio Cardim, resolveu, então, construir uma capela provisória em outro terreno, também em território beneditino, próximo ao que seria hoje o Km 20 da Via Anchieta. No entanto, o local se revelou inviável por situar-se “na coroa de um estéril outeiro, sem águas e batidos de impetuosos ventos”, que dificultavam muito as atividades do sacerdote. Outro local teve que ser escolhido: a solução encontrada foi uma área a 600 passos dali, escolhida pelo Tenente Coronel Daniel Pedro Muller, membro do real corpo de engenheiros, que fora encarregado de resolver o problema. O terreno, pertencente à fazenda do lavrador Manoel Rodrigues de Barros, foi cedido à igreja, que lá erigiu primeiramente a capela de Nossa Senhora da Boa Viagem (1814), a qual funcionou provisoriamente como sede da paróquia até a inauguração, nas mesmas terras, da Igreja Matriz, em 1825. No entorno do largo da Matriz, poucos anos depois (em 1833), se definiria o primeiro perímetro urbano da freguesia, com a demarcação de suas cinco primeiras vias, hoje conhecidas como Marechal Deodoro, Santa Filomena, Dr. Fláquer, Rio Branco e Padre Lustosa.

Os primeiros traços do centro da cidade esboçavam-se justamente numa época de grande circulação de tropeiros e viajantes pelo caminho do mar, movimento impulsionado pela lavoura de açúcar paulista, que continuava em ascensão. Junto com o açúcar, o tropeirismo – tanto na região como em toda a província – também atingia sua época áurea, uma vez que eram as tropas de mulas as únicas responsáveis pelo escoamento do produto até o litoral.

Todavia, a partir de 1850, ficou evidente às autoridades paulistas o entrave que o transporte por meio de muares representava à agricultura de exportação: a lentidão excessiva, os desperdícios em estradas que permaneciam ruins, mesmo com manutenção frequente, e a precariedade dos ranchos e pousos encareciam excessivamente os custos e tornavam inviável a expansão da lavoura para regiões muito distantes do porto de Santos. Portanto, a construção de linhas ferroviárias, já num momento em que o café havia tomado a hegemonia do açúcar na pauta de exportações da província, garantiu um enorme barateamento no transporte da produção agrícola paulista. Elas foram, sem sombra de dúvida, fatores essenciais para o vertiginoso desenvolvimento que São Paulo alcançou no final do séc. XIX.

No entanto, com o estabelecimento das linhas férreas, foi inevitável a decadência do tropeirismo e com ela também o abandono do caminho do mar, uma vez que, desde 1867, a função dele passou a ser cumprida de forma muito mais eficiente pela estrada de ferro Santos-Jundiaí, cujo trajeto passava pelas áreas das atuais cidades de Santo André e São Caetano. A freguesia, que tinha no transporte por muares um dos seus alicerces, sentiu grandemente o impacto. Seu revigoramento só ocorreria com a chegada da imigração européia, alguns anos depois.

A imigração, os núcleos coloniais, e a criação do município

Entre 1877 e 1897, o território de São Bernardo recebeu intenso fluxo migratório de estrangeiros, que vinham para ocupar núcleos coloniais recém-criados pelo governo imperial.

Um relatório de 1907 feito pela Agência de Colonização mostra que nas linhas residiam 403 famílias, sendo 239 italianas, 60 brasileiras, 53 polaco-russos, 22 austríacas, 19 alemãs, 3 portuguesas, 2 árabes, 1 húngara, 1 espanhola, 1 francesa, 1 suíça e 1 cubana.

O crescimento populacional ocorrido em função da imigração foi uma das justificativas que permitiram que a freguesia pleiteasse sua autonomia em relação à cidade de São Paulo, o que de fato ocorreu treze anos após o estabelecimento do primeiro núcleo colonial.

Em 12 de Março de 1889, a lei n.38 foi sancionada pelo Presidente da Província, Pedro Vicente de Azevedo, oficializando-se assim a criação do Município de São Bernardo.

Todavia, a instalação efetiva do município – fundamental para que o mesmo pudesse eleger suas autoridades e arrecadar seus impostos – só viria a acontecer em 2 de maio de 1890. A instalação da Câmara dos Vereadores de São Bernardo aconteceu no dia 29 de Setembro de 1892, data da posse de sua primeira legislatura.

As primeiras décadas do Século XX e os primórdios da industrialização

Quando se desmembrou de São Paulo e se tornou município em 1890, São Bernardo englobava em seus limites toda a região do atual ABC paulista.

Além de centralizar a administração política, a área correspondente à atual São Bernardo do Campo gozava, nos primórdios do séc. XX, de um desenvolvimento econômico superior aos demais bairros ou distritos que integravam o antigo município. Sua força econômica vinha principalmente da fabricação de carvão e do corte de madeira: segundo o livro de indústrias e profissões de São Bernardo de 1910, havia nesse ano, em regiões pertencentes aos limites do atual município, 68 carvoarias e 18 serrarias[3]. Além disso, florescia nesses tempos, pela atividade pioneira de João Basso, a indústria de móveis, que se tornaria marca da cidade por muitas décadas. Havia ainda, localizadas na Rua Marechal Deodoro como a fábrica de Basso ou em suas circunvizinhanças, indústrias voltadas para a produção de outros gêneros simples, como cervejas e licores (como na fábrica de Carlos Prugner), charutos (nas firmas de Setti e Stefanini), e sabão (de Carlos Herber).

Contudo, a partir de uma lei de 1911 que concedia benefícios fiscais às empresas que se estabelecessem no município, a hegemonia econômica da Sede começou a se esfacelar: nas décadas de 10 e 20 muitas grandes empresas vieram, preferindo a maior parte se instalar em locais próximos à estação ferroviária, favorecendo o Distrito de Santo André, que passou a se desenvolver num ritmo muito mais acelerado que São Bernardo.

Paralelamente a isso, São Bernardo teria, a partir de 1927, parcela de seu território inundado com a construção da represa Billings, que represou as águas do rio grande e do rio das pedras, a fim de gerar eletricidade na usina Henri Borden, em Cubatão.

Os anos 30 marcariam o acirramento da rivalidade no âmbito político entre a sede e o distrito andreense. O distrito já era uma potência de maior vulto que a Vila de São Bernardo, contendo indústrias multinacionais de grande porte como a Rhodia e a Pirelli, enquanto que em território são-bernardense as fábricas existentes (nessa década já predominavam as fábricas de móveis) eram basicamente pequenos e médios empreendimentos de base familiar, sem a mesma estatura que as empresas de Santo André. Simultaneamente a esse desenvolvimento, surgia nos andreenses a ambição de transferir a sede municipal para o seu território. De maneira ilegal, os prefeitos já despachavam em Santo André, mesmo que oficialmente a sede ainda não tivesse sido transferida.

O rebaixamento a distrito e a emancipação de São Bernardo

Em 1938, o país vivia sob a ditadura de Getúlio Vargas. O ditador nomeava os interventores estaduais e lhes dava plenos poderes para rebaixar municípios a distritos, elevar estes à condição de cidade e para nomear prefeitos. Em 30 de novembro de 1938, depois de uma articulação de políticos andreenses, o interventor estadual Ademar de Barros assinou um decreto transferindo a sede do município de São Bernardo para Santo André, sendo a antiga Vila de São Bernardo rebaixada a mero distrito.

Descontentes com a humilhante situação enfrentada pela cidade, um grupo que reunia empresários, comerciantes, profissionais liberais, funcionários públicos, operários e populares começou a se reunir para discutir a emancipação de São Bernardo.

Visando ganhar força política junto ao governo federal, o grupo procurou o banqueiro Wallace C. Simonsen, proprietário de uma chácara na cidade (hoje conhecida como Chácara Silvestre) e empresário de prestígio nacional, que aceitou participar do movimento.

Em maio de 1943, sob a liderança de Wallace C. Simonsen, aconteceu a fundação da Sociedade dos Amigos de São Bernardo.

Aproveitando-se de uma reforma administrativa visando a criação de municípios em todo o estado, que à época estava sendo planejada pelo governo estadual, o grupo solicitou a emancipação do então distrito de São Bernardo, alegando que o crescimento local – em termos de contingente populacional, arrecadação de impostos, etc. – era suficiente para justificar o pedido.

Graças à persistência desse grupo e à influência política de Wallace C. Simonsen, o decreto lei 14.334 de 30/11/1944, que estabelecia a nova divisão político-administrativa do Estado e São Paulo, elevou novamente o distrito de São Bernardo à categoria de município. No dia 1° de Janeiro de 1945, o novo município foi instalado, agora com o denominativo ”do Campo” agregado ao nome “São Bernardo”. Wallace C. Simonsen foi nomeado prefeito e governou a cidade até 1947.

A industrialização de São Bernardo e a transformação em metrópole

A inauguração da Via Anchieta, em 1947, marca o início de uma fase de acelerado crescimento em São Bernardo. Incentivadas pelas facilidades logísticas proporcionadas pela estrada, pela presença de mão-de-obra razoavelmente qualificada na região e também por alguns incentivos fiscais concedidos, um grande número de empresas estrangeiras se instala na cidade. Em consequência da vinda de gigantescas indústrias automobilísticas como a Ford, Scania e Volks e de múltiplas fábricas de autopeças como a Perkins, Gemmer e Mangels, a cidade converte-se, nas décadas de 50, 60 e 70, num dos principais polos industriais do país, atraindo enorme contingente de mão-de-obra que elas absorviam (contingente este que aumentava exponencialmente com a chegada de migrantes de várias regiões do país).

Rapidamente a pequena vila do início do século XX deu lugar a uma grande metrópole: o número de habitantes que era de 29 mil em 1950, alcançou em 1980 a marca dos 425 mil, dos quais 292 mil eram migrantes, conforme indicava o censo do IBGE realizado naquele ano. Segundo o mesmo censo, até aquele momento os maiores centros exportadores de migrantes para a região haviam sido o próprio estado de São Paulo (54,6 % do total da migração interna), Minas Gerais (14,6%), Bahia (7,4%), Pernambuco (5,4%), Paraná (5,3%) e Ceará (3,8%). Entre as regiões, o sudeste respondia por 68% do total da migração interna e em seguida vinham o nordeste (24%), o sul (6,1%), o centro-oeste (0,8%) e o norte (0,2%).

Como resultado da expansão populacional, as chácaras e sítios dos velhos núcleos coloniais deram lugar a novos loteamentos urbanos, regulares ou irregulares, transformando inteiramente as feições de bairros antigos e criando novos aglomerados.

Paralelamente ao crescimento industrial e urbano, desenvolveu-se na cidade um sindicalismo fortemente organizado e com grande poder reivindicatório, o que levou São Bernardo, durante as crises econômicas do final dos anos 70 e início dos 80, a ser o palco de alguns dos mais incisivos movimentos grevistas já ocorridos na história do país.

Na década de 90, a cidade foi afetada pelo impacto das grandes alterações ocorridas na economia mundial. A abertura comercial e o acirramento da competição internacional impulsionaram transformações estruturais no mercado de trabalho e na organização da produção (que já se delineavam nas décadas anteriores). Em São Bernardo, o setor industrial perdeu parcela de sua importância, ao mesmo tempo em que cresceu o setor de serviços e a economia informal.

A São Bernardo contemporânea, que em 2010 já possuía 746 mil habitantes, conta com os problemas próprios das grandes metrópoles, tais como a violência, a poluição e o déficit habitacional, todos inimagináveis décadas atrás. Por outro lado, alguns dados que mensuram o desenvolvimento humano da cidade apontam outra faceta deste processo: em 1970, a expectativa de vida que um indivíduo tinha em São Bernardo era de 52 anos, hoje ela passa dos 70 anos. A mortalidade infantil caiu mais de 10 vezes no mesmo período e simultaneamente houve um intenso crescimento da escolaridade média.

[1]Além disso, a partir da lei municipal 230, de 1953, a comemoração do aniversário da cidade passou a ser oficialmente realizada na data da morte de São Bernardo (20 de agosto), apesar da idade do município ser contada a partir de 1553, ano da fundação da Vila de Santo André da Borda do Campo.

[2] Livro do tombo da catedral de São Paulo, 1747-1895, Arquivo da Cúria Metropolitana de São Paulo, fls. 35, citado em Santos, W. Antecedentes Históricos do ABC Paulista,1992 , p.97.

[3] Livro de Indústrias e Profissões do Antigo Município e São Bernardo, 1910.

Fonte: Pesquisa e Textos: Jorge Henrique Scopel Jacobine e Rodolfo Scopel Jacobine – Analistas de Cultura

Bibliografia
Documentos manuscritos:

  • Livro de Indústrias e Profissões do Antigo Município de São Bernardo, 1910 – (Acervo do Museu Santo André)
    Documentos impressos:
  • Compêndio Estatístico de São Bernardo do Campo, PMSBC – 1998
  • Censo Demográfico de 2010, IBGE.
  • Série Documentos Históricos Nº11 – A indústria. Divisão de Imprensa. PMSBC.
  • Sumário de Dados de São Bernardo do Campo, PMSBC – 2010
    Fontes secundárias:
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  • BARBOSA, Newton Ataliba Madsen. São Bernardo – A Verdadeira Terra Mãe dos Paulistas. PMSBC. 1971.
  • BARBOSA, Newton Ataliba Madsen. Suplemento “História dos Bairros de S. Bernardo do Campo”. In: Folha de São Bernardo, 1978-1979.
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  • MARTINS, José de Souza. A escravidão em São Bernardo, na colônia e no império. Pastoral do Negro. Centro Ecumênico de Informação e Documentação.1988.
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  • MÉDICI, Ademir. São Bernardo, Seus Bairros, Sua Gente. PMSBC. 1981.
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  • SANTOS, Wanderley dos. Antecedentes Históricos do ABC Paulista (1550-1892). PMSBC. 1991.
    -TAUNAY, Afonso de E. João Ramalho e Santo André da Borda do Campo.1953.
Imprensa:

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