Jeitinho brasileiro

A corrupção na política sempre existiu, faz parte do jogo de interesse e poder desde o nascimento da vida em sociedade. No Império Romano por exemplo, existia até uma tabela paralela de corrupção feita pelo próprio senado para burlar as leis. A corrupção não é privilegio brasileiro, ela sempre existiu nas democracias liberais, no socialismo real, no fascismo, no nazismo, na social democracia, no populismo, nas ditaduras militares, na teocracia entre tantas outras formas de governo.
O famoso jeitinho brasileiro pode ser abordado de duas maneiras principais: como característica psicossocial do povo e dos governantes. No primeiro caso ele tem sentido pejorativo, pois diz que o povo brasileiro arranja sempre um modo de viver sem trabalhar, de não estudar, de não pagar impostos, fugir dos compromissos e responsabilidade, corrompendo. Quando se refere aos governantes e outros poderosos, o jeitinho tem um sentido de criatividade e de esperteza, qualidades que valorizam os seus autores. É a capacidade de improvisar soluções acauteladoras quando tudo parece estar perdido. É a presença de espírito que dá respostas imediatas para situações embaraçosas, sobretudo são respostas de efeito mais vazias de significado.
Em resumo, o jeitinho é o instrumento mais usado para “deixar como está pra ver como fica”.
Essa questão pode ser estudada e explicada de tantas formas diferentes, incluindo a história, a psicanálise e outras disciplinas. A procura das raízes profundas desse fenômeno poderia levarnos a lugares e épocas tão afastadas da realidade atual, que perderíamos o interesse no encaminhamento das questões que estamos enfrentando atualmente.
O espírito conservador que caracteriza a política brasileira e toda sua sociedade tem um ponto de origem no tempo e nos fatos: a estrutura colonial mantida por mais de três séculos. Os vícios do colonialismo e da escravidão poderiam ser desfeitos ao impulso das grandes transformações ocorridas no mundo que repercutiram aqui, como foi o caso da Independência dos Estados Unidos e da Revolução Francesa.
As lutas entre o que já era velho e o que se desejava fosse novo concretizaram-se na oposição ao absolutismo de D. Pedro I, sobretudo nos anos do final do Primeiro Reinado, quando as crises internas foram agravadas pelas disputas do poder na Europa, desviando a atenção do monarca para seus interesses pessoais em relação ao trono português. Nesse momento o Brasil teve muito perto de realizar um grande salto qualitativo abolindo a monarquia e seus vícios de corrupção.
Durante muitos séculos, só um número reduzido de frequentadores da Corte e do Parlamento conheciam na intimidade os problemas nacionais e suas causas, e mesmo esses tendiam a explicar os fatos e critérios subjetivos para soluciona-los. As soluções para tais problemas foram elaboradas aqui mesmo, e esse fato permanece até os dias atuais.
Está claro que a estrutura e a organização social criadas no colonialismo e no Primeiro Reinado forneceram as condições objetivas favoráveis ao projeto do jeitinho e corrupção inerentes nos dias atuais, pois no alto da pirâmide social ainda mantém-se uma pequena elite detentora de todo poder político e econômico, na base ainda permanece a massa enorme de seres que ignoram ou são incapazes de qualquer ação de mudanças, enquanto as resistências intermediarias, mais esclarecidas, ainda não são fortes o bastante para transformar a estrutura e os acontecimentos.