Se não queremos modificar a maneira como o trabalho hoje se reparte entre os indivíduos, é fato porque o trabalho constitui o principal meio de distribuição dos rendimentos, da proteção e das disposições sociais: rever a maneira como se partilha o trabalho leva a repensar também a repartição do conjunto dos bens sociais. Mas será legítimo que o trabalho continue a exercer a função de distribuição das riquezas enquanto se reduz de fato, enquanto nós desejamos a sua redução, e enquanto o progresso técnico não pare de reduzir seu volume? Será normal que a sua função continue a ser a mesma quando o processo de entrada e saída do mercado de trabalho não é nem controlado nem regulado, mas resulta das opções de atores privados cujo imperativo não é de maneira nenhuma o emprego, mas a produção ou o seu próprio desenvolvimento?
Será legítimo que uma sociedade rica deixe assim a repartição do conjunto dos bens sociais operar-se de uma maneira natural, selvagem e aleatória? E sobretudo que se recuse a considerar o trabalho como um bem extremamente particular, cuja repartição e flutuação devem ser reguladas, uma vez que se trata de um bem que dá acesso a todos demais?
Uma sociedade preocupada com o bem comum e com a coesão social procederia, podemos estar certos, de outra maneira. Consideraria o trabalho, os rendimentos e os benefícios até hoje ligados ao trabalho como outros tantos bens que devem ser repartidos entre os seus membros e cuja repartição é constitutiva do próprio bem comum.
Vemos bem que o verdadeiro problema de nossa sociedade não é de maneira nenhuma a penúria do trabalho, mas o fato de nos faltar um modo de partilha convincente. Esta efetua-se hoje naturalmente, através da exclusão do mercado de trabalho das pessoas idosas ou mais frágeis, da existência de moratórias cada vez mais prolongadas antes da entrada dos jovens no mercado de trabalho e da forte seletividade deste último: a nossa partilha opera-se através de um despejo na categoria do desemprego.
Garantir um igual acesso ao trabalho não é contraditório, como o reequilíbrio das nossas atividades entre esferas diferentes, nem com uma redução do tempo de trabalho. É precisamente por ser o trabalho que continua, hoje, a dar acesso aos outros bens sociais, incluindo a liberdade real, que deve ser repartido.
Por fim, o trabalho é o fato mais importante em nossa sociedade, é nele que o homem se faz homem, se transforma constantemente. Sendo fundamental para a vida em sociedade, vemos a falta de empenho de governos no sentido de desenvolver uma política de trabalho que seja de inclusão e não de exclusão de grande parcela da população.