A cultura é a voz da alma

Depois do sucesso de seu livro de estréia Cidade de Deus, o escritor carioca Paulo Lins demorou nada menos que 15 anos para lançar sua segunda obra, Desde que Samba É Samba. O que não quer dizer que tenha passado por algum bloqueio criativo. Nesse período, Lins ganhou o mundo e se tornou um roteirista requisitado. Após a repercussão mundial da adaptação cinematográfica do livro em que elabora as memórias coletivas do bairro onde passou parte da infância, na zona oeste do Rio, o autor escreveu para vários filmes.
Como escritor, Paulo Lins, foi um dos precursores da onda de livros e filmes que aborda o universo da periferia, favelas e prisões brasileiras, chamas por muitos de literatura marginal, termo que Lins contesta.Desde que Samba É Samba é um romance que visita as fontes negras cariocas de quase 100 anos atrás para contar como surgiu essa arte de vanguarda. Afinal, o samba, em sua raiz, foi fruto da elaboração consciente de um grupo pequeno de artistas geniais, com manifesto e proposta estética cuidadosamente elaborados. Entre madrugadas de vivência e pesquisa em terreiros e malocas, ele revive sua própria passagem, ainda jovem, por escolas de samba, como músico e compositor.
Em meio a prostitutas e malandros, centros de umbanda e rodas de capoeira, giram sambistas consagrados e intelectuais modernistas a desafiar a tênue linha entre ficção e realidade. O resultado é um caldo grosso e saboroso, cozido a partir da memória coletiva negra da capital fluminense, e já pressagiando, a violência institucional que se consolidaria décadas depois.
A maior luta que um ser humano pode ter é defender sua cultura. Ela é o espelho da alma, é a própria alma de uma sociedade. Recebemos a cultura de nossos avós, dos antepassados, da própria história, da religião, da fé. É uma forma de se confraternizar com o próprio povo.É a coisa mais forte que um ser humano pode criar. Se na houver cultura não existe ser humano. É o que o identifica, que o diferencia e une ao mesmo tempo os povos.
Só que existe um preconceito. A cultura que aqui se fala é uma cultura do pós escravidão, de homens libertos, que só tinham a ela como salvação, para continuar unidos, fortes. O carnaval, o samba, a umbanda e os terreiros de candomblé foram formas de resistência que deu certo. O negro só conseguiria estabilidade social no Brasil através da preservação de sua cultura.
Inventar o samba foi como dar um beijo na boca de um canhão. E hoje o que temos são grandes astros, o vocabulário, a tradição de pessoas que nunca sobreviveriam socialmente se não produzisse cultura.