Brazuela (sobre a “venezuelização” do Brasil)

1 – A greve dos caminhoneiros, que colapsou múltiplos serviços em todo território nacional, constitui mais uma evidência inequívoca de que existem dois caminhos para se alcançar a “venezuelização” de um País (ou seja, seu desmoronamento social): pelo domínio sanguinário de uma ditadura de esquerda (caso de Maduro, por exemplo) ou pelo comando estúpido de uma oligarquia corrupta, degenerada e parasitária (cuja ideologia única é o dinheiro, o ganho e o lucro em proveito próprio).

2 – A riqueza gerada pela corrupção em favor dos donos corruptos e parasitários do poder não desencadeia em nós apenas indignação (sobretudo quando se considera que o Brasil é um dos dez países mais desiguais do mundo). Ela é também assassina, porque a dinheirama desviada (R$ 600 milhões por dia) faz muita falta para a saúde, educação, Justiça e segurança (que são as atividades cardeais do Estado, que o mundo do mercado obviamente não oferece para a população).

3 – A canalização em massa do dinheiro público para os donos corruptos e parasitários do poder (aqui reside o patrimonialismo empresarial, que não se confunde com o estatal nem com o corporativo) comprova a usurpação e o apoderamento do Estado por uma oligarquia nefasta e perversa que só pensa na prosperidade dos seus interesses. O Estado se converteu em presa de um animal parasita (clube dos corruptos) que lhe suga diariamente todas as energias.

4 – Esse modelo desastrado e desumano de governança, ancorado em uma tradição colonizadora cruel, escravagista e sanguinária, gera inevitavelmente baixo crescimento econômico e quase nenhum desenvolvimento humano. Tudo isso faz parte do fenômeno da “venezuelização” do País, que constitui uma ameaça permanente para o povo, que vive sob a percepção de um contínuo regresso social e econômico. O medo de se perder tudo que foi conquistado passa a ser um risco interminável por toda vida.

5 – A “venezuelização” (desmoronamento das relações e dos tecidos sociais) tornou o Brasil extremamente vulnerável. Todas as sociedades são, em virtude da complexidade do funcionamento da economia com redes interdependentes, muito vulneráveis (H. Schwartsman). Considerando-se que o Brasil é regido por uma das oligarquias mais perversas do planeta, é evidente que essa vulnerabilidade aqui é maxi-elevada, o que agrava o medo permanente de se perder tudo (renda, salário, emprego, negócios, capacidade de consumo, propriedades, vida, oportunidades etc.).

6 – Em 2016 a Consultoria Eurasia Group, diante do aprofundamento das crises políticas e econômicas, já apontava o Brasil como um dos dez maiores riscos geopolíticos do mundo. Crises contínuas geram caos, que podem desaguar em colapsos. Colapsos reiterados costumam ser causas de grandes comoções sociais, com consequências imprevisíveis. A corrupção sistêmica tornou o Brasil um risco geopolítico mundial.

7 – Os poderes constituídos (Executivo, Legislativo e Judiciário) assim como as instituições (Governo, Congresso, Supremo, Democracia, Leis, Mídias etc.) acham-se preocupantemente desacreditados. A falta de credibilidade de um país (em processo de “venezuelização”) espanta investidores (internos e externos). Isso costuma resultar em miséria, pobreza e convulsões sociais.

8 – Quando a falta de credibilidade se junta a uma aguda vulnerabilidade bem como às instabilidades reiteradas no campo da política e da economia o País se torna imprevisível. Esse é o Brasil de 2018, onde uma classe nababesca maligna (a dos donos corruptos do poder) vive do parasitismo depredador e sedentário, que atrofia a intelectualidade, dizimando sua capacidade de diálogo, de inovação, de criação, de sabedoria, de conhecimento e de percepção da realidade.

9 – Governos sistemicamente corruptos, quando alcançam o nível do parasitismo sedentário, demoram para tomar decisões e normalmente se mostram incapazes de encontrar soluções em negociações complexas (na greve dos caminhoneiros isso ficou sobejamente comprovado).

10 – Tudo isso afeta profundamente a percepção negativa da população sofrida, que se apavora cada vez mais com o risco de perder tudo que conquistou. Muitos brasileiros melhoraram de vida na primeira década deste século. Agora, com razão, diante de tanta corrupção e desordem, temem perder tudo.

11 – O medo de perder tudo frequentemente leva o País a aceitar governantes populistas extremados. Essa tendência não faz parte da solução do problema. Temos que promover a faxina geral dos ladrões que comandam a nação, não há dúvida, mas isso sem cairmos em radicalismos demagogos. Do contrário viveremos sob o risco permanente de aniquilação total da nossa sociedade.

Jurista e professor
LUIZ FLÁVIO GOMES