Sobretaxa norte-americana sobre produtos da Turquia desencadeia crise e aumenta instabilidade em mercados emergentes; guerra comercial EUA-China afeta comércio internacional; migração venezuelana cria caos em fronteiras da América do Sul; novo governo mexicano conclama países para o enfrentamento conjunto dos problemas do narcotráfico e do crime organizado; cúpula dos BRICS em Johanesburgo discute nova ordem econômica mundial. Eventos como estes que ganharam destaque em jornais e mídias eletrônicas nos últimos meses e que afetam, em graus variados, a vida das nações, demandam posicionamento e estratégia internacional dos países e devem encontrar nas diretrizes de política externa orientação para a ação.
A política externa constitui-se em instrumento através do qual os governos celebram acordos de cooperação ou desencadeiam conflitos, com resultados de crescimento e desenvolvimento ou de atraso e destruição para seus países, promovendo a autonomia ou a dependência. No extremo, serve para manter a paz ou fazer a guerra.
Entretanto, mesmo diante de evidências da exposição das sociedades nacionais aos acontecimentos internacionais dado ao caráter de interdependência configurador de nosso tempo, a política externa no Brasil está ausente do debate público e é matéria escassa nos programas, discursos e propaganda de candidatos à Presidência da República, ficando sua discussão restrita a um reduzido número de pessoas, como matéria exclusiva de especialistas.
A defesa da política externa como prerrogativa do Príncipe, dada a importância desta para a integridade do Estado, encontra no Cardeal de Richelieu – tornado Primeiro-Ministro da França sob o reinado de Luiz XIII – seu mais eminente propositor. É de Richelieu a própria definição de raison d’Etat, orientadora da política externa de um país. Embora não reconhecesse na opinião pública fonte para as decisões de política externa, em seu Testamento Político pode ser encontrado o seguinte princípio: “Toda a escolha do rei deve ser seguida de uma aprovação pública”.
No Brasil, desde a Independência, a política externa constitucionalmente é atribuição do Poder Executivo, sendo submetidas ao Legislativo (representante do povo) apenas questões fronteiriças e que envolvam cessões de território. Na linha de defesa desse modo de ser, alinha-se a questão do tempo, ou melhor, da urgência característica de muitas das questões de política externa. Invoca-se a ideia de que a decisão de ir à guerra ou fazer a paz não pode estar submetida ao tempo requerido para as consultas populares e deliberações congressuais, nem tampouco aos humores partidários. Na contramão desse argumento, tem-se a acusação de ter essa prática um caráter autoritário e elitista.
Dos anos 1990 para cá, com a aceleração do processo de globalização econômica e a revolução provocada pelas novas tecnologias de informação e conhecimento, tornou-se mais explícito o fato de que as decisões de política externa de um país carregam o potencial de afetar diretamente a vida de seus cidadãos. Acontecimentos outrora regionais se tornaram inevitavelmente globais e os diversos canais de comunicação os repercutem em tempo real. Especialmente nos espaços urbanos mais adensados, grupos e organizações da sociedade civil se mobilizam e se manifestam sobre questões internacionais mas, ainda assim, a temática internacional não ganhou o espaço devido na agenda dos políticos e de seus partidos.
No atual contexto de crise política, econômica e social no Brasil a campanha eleitoral segue sem que a sociedade conheça como os candidatos propõem tratar questões de grande impacto para o futuro do país.
Qual estratégia será adotada para manter e/ou expandir as exportações do país diante do aumento do protecionismo comercial em importantes mercados de destino dos produtos brasileiros? O Brasil manterá o multilateralismo como princípio orientador de suas relações exteriores apoiando as diferentes organizações internacionais como a OMC? E quanto ao Mercosul, merecerá apoio e investimentos para intensificação do processo de integração regional ou passará por uma revisão de seus objetivos originais? Quais serão os principais pontos que merecerão empenho do governo brasileiro na construção da agenda da próxima cúpula dos BRICS que o Brasil sediará? Como está sendo visto o documento divulgado recentemente pelo governo chinês com as diretrizes de política externa chinesa para a América Latina? Que posição o país adotará em relação às propostas do novo governo mexicano para uma ação conjunta no combate ao narcotráfico e crime organizado?
As questões acima mencionadas servem apenas para ilustrar a complexidade de demandas de natureza internacional que requerem uma concepção de política externa para que as respostas dadas pelo futuro governo brasileiro possam atender ao interesse nacional e, ao mesmo tempo, promover a imagem do país no meio internacional renovando o melhor de sua reputação e tradição diplomática.
Vulgatas e bufonices como a recente declaração de um candidato à Presidência de que retiraria o país da Organização das Nações Unidas só servem para depreciar ainda mais o ambiente do debate político nacional e evidenciar o despreparo e falta de conhecimento sobre como se processam as relações internacionais alimentando, assim, o preconceito que encontra na ignorância seu principal combustível.
Especialmente para países com reduzidos recursos convencionais de poder (hard power) a força dos valores e a coerência e inteligência de suas ações articulando a política nacional com a externa se convertem em capital político de alto valor em contexto internacional tão conturbado como o que enfrentamos na atual quadra do século XXI.
Arnaldo Francisco Cardoso é professor e pesquisador da Universidade Presbiteriana Mackenzie, atua nas áreas de comércio e relações internacionais.