Enquanto um atributo de todo indivíduo no gozo dos seus direitos civis e políticos, aliás, inerente ao Estado Democrático de Direito, a cidadania é o exercício de um conjunto de direitos e deveres que possibilita aos membros da sociedade a participação ativa da vida e do governo de seu povo, ou seja, propicia que todo cidadão possa interferir, direta ou indiretamente, nos destinos da nação.
Embora não seja a panaceia para todos os problemas, o exercício do voto possibilita que todo indivíduo participe ativamente de uma ação que busque coibir as posturas daqueles que, quando investidos como agentes políticos, maculam os bons costumes, alienam pessoas, semeiam a discórdia, a divisão e a miséria, utilizando-se de instrumentos de corrupção, da mentira e da fraude para enfraquecer a sociedade como forma de privilegiar seus próprios interesses.
Aparentemente, o fisiologismo e a barganha têm impulsionado o aparelhamento das entidades públicas e, lamentavelmente, testemunhamos o mau trato da coisa pública; o aumento desmedido da corrupção; a busca da transformação intelectual e moral da sociedade pela banalização de suas tradições, usos e costumes, com a tentativa da introdução de novos conceitos que tornam menos rígidos os valores e princípios éticos-morais; o enfraquecimento da família, célula mater da sociedade; etc. Ainda que de forma dissimulada, a sociedade está sendo fragmentada em pequenos grupos, o que gera embaraços comportamentais face à manipulação dos paradigmas sociológicos e, como consequência, facilita o seu controle por meio de mecanismos travestidos de valores democráticos.
Além de gerar insegurança e o sentimento de que a sociedade está sem limites, sem referências, sem respeito ao próximo, mais egoísta e narcisista, esse cenário deixa o país mais pobre de caráter, de ética, de respeito a si mesmo e ao próximo. Oportuna é a advertência feita pelo Papa João Paulo II na Encíclica Veritatis Splendor ao dizer que “uma democracia sem valores se transforma com facilidade num totalitarismo visível ou encoberto.”.
Creio que se Rui Barbosa estivesse vivo talvez voltasse a manifestar sua descrença na situação do país, tal qual como fez em seu histórico discurso ao Senado em 17/12/1.914 ao dizer que: “De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto”.
Infelizmente, esse alerta é atual e deve continuar vivo em nossos corações fazendo com que todo cidadão tenha a consciência tranquila de ter dado ao país aquilo que estava ao seu alcance. É por isso que a ação do voto, ato acima de tudo de cidadania, deve refletir uma atuação na busca de uma ordem social que leve em conta os valores e princípios democráticos e republicanos, vigas mestres do Estado brasileiro, e privilegie o bem comum e não o interesse daquele que irá exercer um mandato, daquele que irá governar.
Com base no pensamento bíblico no sentido de que “quando o justo governa o povo se alegra, mas quando o ímpio domina o povo geme” (Provérbios 29-2) , é de se ter claro que, para o exercício do dever-poder cívico do voto, é indispensável que todo cidadão enxergue o Brasil por si mesmo, que aja com coerência ética e moral em prol do bem comum e expresse sua opinião quanto ao país que quer ver. Sendo assim, mais uma vez parafraseando Rui Barbosa: “Eu não troco a justiça pela soberba. Eu não deixo o direito pela força. Eu não esqueço a fraternidade pela tolerância. Eu não substituo a fé pela superstição, a realidade pelo ídolo.”.
Enfim, se a liberdade de escolher um representante deve expressar a opinião acerca da situação sócio-política e o que se espera para o futuro do país, a construção de um país mais justo e perfeito começa pela ação consciente e ética de cada cidadão ao exercer seu poder-dever de votar.
Paulo Eduardo de Barros Fonseca é Presidente da APAESP – Associação dos Procuradores Autárquicos do Estado de São Paulo.