Na reta final das eleições, outra vez a cisão agressiva entre os simpatizantes das candidaturas que chegaram ao segundo turno, influencia o fim de amizades, gera desavenças familiares e em ambientes profissionais. Por vezes até, resulta em afrontas públicas e violência. Aliás, ação que é oficialmente condenada, mas pouco combatida nos bastidores de ambos os lados em disputa. Assim como também não são coibidas diversas práticas pouco éticas, tais como a disseminação de fake news, ataques pessoais e desconstruções de reputações, dirigidas às pessoas que ousam discordar do candidato, partido ou proposta que uma ou outra “torcida” defende.
É instigante observar o exercício da soberania popular, nesses tempos de pós-verdade e redes sociais virtuais, pela perspectiva da Sociologia e da Filosofia. Mas, sob o ponto de vista da Saúde Mental, a eleição brasileira desperta preocupações. E isso porque desde os movimentos de junho de 2013, a campanha do ano seguinte, e os muitos desdobramentos políticos e jurídicos que a sucederam; uma parcela significativa da sociedade brasileira, foi provocada a adotar comportamentos menos passivos, e a interagir intensamente a partir de informações associadas à propaganda política, nem sempre identificadas. Uma espécie de ansiedade generalizada, não raro tendendo à angústia, foi progressivamente construída. E recebeu estímulos durante meses de turbulências econômicas, sociais e morais, baseadas em notícias frequentes sobre corrupção.
Antes e durante o período eleitoral, as populações que estão virtualmente convencidas a “passar o país a limpo”, assim como a parcela que deseja reverter o “golpe” que avalia ter acontecido e, também a maioria que somente aguardava pela oportunidade de escolher representantes melhores, se viram expostas a mais suja campanha eleitoral da história. Notícias falsas, candidaturas fictícias, propostas desconectadas da realidade, e o clima hostil que contaminou manifestações em todo o país, contribuíram para criar o sentimento de impotência e desamparo que aflige indivíduos em todos os grupos segregados da população. Pessoas identificadas com propostas opostas, vivenciam uma incerteza disruptiva e perigosa.
A partir de estudos empreendidos por membros da Rede Ibero-Americana de Ecobioética, no Brasil e na Argentina, nos períodos que antecedem as Eleições 2018, assim como ocorre com a população argentina, exposta a severa e prolongada crise econômica, foi possível identificar o aumento dos relatos sobre sintomas físicos, tais como palpitações, falta de ar, problemas no aparelho digestivo entre outros. Indícios que em muitos casos, revelam doenças psicossomáticas. Ou seja, sintomas físicos, causados por problemas emocionais.
Nesta realidade disruptiva, qualquer que seja o resultado final do pleito, haverá um exército de descontentes, que se manifestará contra o lado ocasionalmente vitorioso, e o sentimento de angústia tenderá a prevalecer. Presenciaremos um período em que a divisão emocional provocada por esta polaridade entre dois candidatos desenvolve certa regressão às nossas sensações, emoções e sentimentos mais primitivos. E é indispensável que os especialistas em Saúde estejam atentos ao tratamento reconstrutivo que deverá ser empreendido, com o objetivo de resgatar o equilíbrio emocional dos indivíduos, e a integração da sociedade cindida.
Prof. Dr. José Toufic Thomé é Médico pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo