Espera-se, com otimismo, que o STF, na próxima semana, mantenha o entendimento de que a prisão de criminosos condenados em 2º grau pode começar a ser executada, como ocorre nos Estados Unidos, na Europa e em todos os países civilizados.
Porém, o que diria a cigana do famoso samba da União da Ilha, se, pessimista, fosse ler o futuro dessa decisão.
Provavelmente diria que Fux, Barroso, Cármen, Fachin e Alexandre votarão a favor da prisão em 2º grau. Celso, Marco Aurélio, Lewandowski e Rosa (talvez) votarão pela prisão só depois do trânsito em julgado, ou seja, depois que acabarem todos os recursos possíveis e imagináveis. Gilmar e Tóffoli votarão para que a prisão possa ocorrer depois da decisão do STJ, mas antes do STF. O placar será, então, 5x4x2. A pergunta, então, passa a ser: qual é a maioria?
Essa é a situação que os estudiosos denominam dispersão qualitativa de votos, que é a mais difícil de todas as situações em um colegiado. Se o problema fosse só de quantidade, seria mais fácil. Suponha que cinco juízes concordam em dar a João R$ 10, quatro concordam em dar R$ 7 e dois concordam em dar R$ 5. Como R$ 7 está contido em R$ 10, então 9 juízes concordam em dar a João R$ 7. Esse resultado é maior que o número de juízes que concordam em dar R$ 10 (cinco) e que os que concordam em dar apenas R$ 5 (dois). Logo, o resultado deve ser R$ 7.
Isso não acontece no caso da prisão em 2º grau, se a previsão pessimista da cigana se confirmar. Não se pode imaginar, como equivocadamente vêm fazendo alguns, que permitir a prisão após a decisão do STJ seria a média entre o 2º grau e o STF. Esse raciocínio só é válido quando a divergência incide sobre questões quantitativas, não qualitativas. Não há “média” entre STF, STJ e 2º grau. Aqui, a solução é muito mais difícil e ela depende, em grande medida, do modo como a pergunta é formulada. Se a questão for “é aceitável executar a pena antes do esgotamento de todos os recursos?”, 7 juízes estariam respondendo sim, sendo 2 após a decisão do STJ e 5 após a decisão de 2º grau. Apenas 4 estariam dizendo não. Por outro lado, se a pergunta for “é possível executar a pena após a decisão de 2º grau?” 6 estariam dizendo não e apenas 5 diriam sim.
Não há uma boa solução, nem uma solução definitiva para esse problema em teoria do direito. O máximo que se pode estabelecer são algumas conclusões parciais. Primeiro, a decisão certamente não pode ser a que permite o cumprimento da pena após a decisão do STJ. Isso prestigiaria, bizarramente, a solução menos votada.
Em segundo lugar, se não há maioria para mudar o entendimento anterior (que permite o cumprimento da pena depois da decisão em 2º grau), então o entendimento anterior fica mantido. Essa segunda conclusão é também a opinião de Fredie Didier Júnior, Daniel Mitidiero, Hermes Zaneti Jr. e Antônio do Passo Cabral, quatro dos maiores processualistas do país, publicada no portal Jota. Se não há nova maioria, a maioria anterior prevalece. Então, se não houver seis votos dizendo que não é possível prender alguém depois da prisão em 2º grau, a prisão continuará sendo possível.
Em terceiro lugar, a maioria do STF (sete ministros) terá decidido que quando a Constituição, no art. 5º, diz “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, a palavra “culpado” não é sinônimo de “preso”. Assim, a Corte terá reafirmado o entendimento de que é possível iniciar o cumprimento de pena antes do trânsito em julgado da decisão. A divergência será apenas quando.
As três conclusões acima parecem além de questionamentos. A quarta é mais controversa. Em uma decisão 5x4x2, a maioria provisória (os cinco) deveria ser prestigiada, pelo menos até que, no futuro, uma maioria mais ampla se afirme. É o que defende Michael Eber, nos Estados Unidos. Na falta de uma maioria, os juízes inferiores devem decidir prevendo o que fará, no futuro, a maioria dos integrantes da corte. Nesse caso, a mais ampla maioria existente aprova a prisão depois da condenação em 2º grau, ainda que essa maioria não seja absoluta.
Logo, ainda que se desconsidere tudo o mais, os juízes deveriam continuar expedindo mandados de prisão contra os réus condenados em 2º grau. Em nome da maioria.
Edilson Vitorelli – Doutor em Direito e mestre em Direito; foi Juiz Federal na 4ª Região e Procurador do Estado de Minas Gerais. Foi também Professor visitante na Stanford Law School e pesquisador visitante na Harvard Law School