Minha linda tia Lily! Foi batizada como Lily de Andrade Guimarães, a caçula de três filhos. Não teve
irmã, fato que lamentava; dizia sempre que sentia falta das conversas de meninas, com seus sonhos ao
falar de meninos. Assim era minha tia, sonhadora e terna. Tocava piano como quem nunca vi. Em sua
casa não faltavam alunos. Era uma professora exigente, buscava sempre a perfeição e com seu jeito
doce conseguia com que cada menino e menina se esmerassem ao tocar as teclas daquele piano, que
a acompanhou por mais de meio século.
Tia Lily, assim a chamávamos, viveu sempre no mesmo apartamento, num prédio antigo, robusto, de
bom gosto, perto da Praça da República. Lugar que ela adorava, pois dizia que o centro de São Paulo
guardava uma lembrança do belo e requintado. Este era seu espaço, onde viveu trinta e cinco anos com
tio Fred. Frederico da Silveira, um homem de alta estatura, belo, muito prático e calcado nas coisas da
terra, um exímio comerciante na venda de calçados. Sabia como ninguém encantar qualquer um que
entrasse em sua loja. Nunca deixou de vender um par sequer. Não tiveram filhos, para lamento dos
dois, e talvez por isso, tratavam seus sobrinhos com carinho especial. Ele se foi, já se vão cinco anos e
tia Lily sempre falava dele como se o esperasse para o jantar. Nunca se casaram no cartório, alianças
nunca vi, mas amor igual ainda não senti.
Tia Lily, depois que tio Fred se tornou uma estrelinha no céu, viveu sozinha com sua cachorrinha Susi e
dois gatos, Teodoro e Turíbio, nomes que o tio fez questão de lhes dar, achava engraçado. Ele gostava
de chama-los para o jantar. Ambos roçavam suas pernas enquanto ele ria e dizia que eram dois
moleques que amava. Susi, meio rabugenta, talvez por ciumes, não saia de sua almofada, bem perto do
piano.
Certa vez tia Lily me convidou para almoçar. Eu amava estar com ela. Era engraçada, com seu cabelo
cor de mexerica, ornava bem com seus olhos azuis. Quando saí do elevador, o corredor estava
impregnado com o cheiro de curry. Sabia que era seu delicioso frango com a especiaria! Logo que
cheguei fui ajudá-la, pois ainda não estava pronta a iguaria e me prontifiquei a preparar o arroz,
enquanto titia cuidava de sua panela com aquele frango a cozinhar num molho borbulhante repleto de
curry! Nós duas ríamos, a conversar sobre assuntos diversos, nada importantes, mas valia a alegria.
Sem que percebêssemos, Teodoro, subiu no armário bem ao lado do fogão e desengonçado que era
não demorou muito, só deu tempo de ver o felino cair bem dentro da panela com frango ao curry. Meu
Deus! Que horror! Só deu tempo de gritar “Jesus!” Mas tia Lily com sua agilidade conseguiu evitar que o
maroto caísse por inteiro no molho. Só foram as patinhas traseiras. Ela o pegou num reflexo
impressionante! O danado ficou com a metade do corpo amarelo, cheirando à frango indiano. Demos
um bom banho nele e o untamos com boa pomada para queimadura. Depois do susto ríamos de
nervoso, mas o frango foi para o prato, nada sofrendo por causa do Teodoro desengonçado. O pelo
demorou um pouco a crescer novamente, mas ficou bem! Se aprendeu a lição, não estou certa, mas
que nunca mais subiu num armário, isto é fato!
Tia Lily, que saudade tenho de ti! Ontem completaram-se seis meses que você também se tornou uma
estrelinha no céu. Hoje, é a primeira vez que entro em seu apartamento para definir alguns
procedimentos com seus pertences. Vejo seu piano, em que tantas vezes tocou Chopin, especialmente
em noites estreladas, dizendo que era para tio Fred ouvir, se encantar e brilhar cada vez mais lá em
cima. Vejo seu espaço, que tantas vezes nos acolheu, seus sobrinhos. Vejo sua coleção de caixinhas
de música e muitos livros, coisas que tão bem representaram, tia Lily e seu amado Fred. Agora duas
luzes a me fazer acreditar que o amor verdadeiro se estende além das estrelas.
Ala Voloshyn
Psicóloga. Escritora. Blogueira. Contadora de Histórias. Mediadora de Conversa Filosófica. Blogs: alavoloshyn, livrosvivos - SoundCloud