Maria

Ala Voloshyn

Ala Voloshyn

12 de Março

Ela nasceu na Ucrânia, no ano de 1930. Por 10 anos viveu uma infância tranquila, mas em 22 de Junho de 1941 sua vida começava a mudar radicalmente. Um bombardeio às 4 horas da madrugada anunciava que a guerra havia chegado para ela. Num ato instintivo, Maria e sua mãe se escondiam debaixo da cama sem nenhuma razão lógica, apenas emocional, de quem sente que sua vida precisa ser protegida.

Aquela infância ficou para trás e o sentido de sobrevivência falava mais alto, pois durante a guerra não se sente medo, apenas coragem para resguardar a vida, como diz Maria. Quem sabe como é passar a noite na floresta mergulhado num rio, apenas com a cabeça para fora, esperando uma oportunidade para escapar dos soldados alemães, que prendiam civis e os levavam para Alemanha a trabalho? Maria sabe! Esta foi sua experiência com apenas 13 anos de idade!

Ela e sua família tinham uma sina: escapar e resistir para depois voltar para casa. Mas quanto mais insistiam nesta investida mais longe ficavam de seu objetivo, até que o destino os levou a Viena, na Áustria, através de um trem fechado, onde muitos iguais a Maria mantinham-se apertados sem saber para onde os levavam. Pura incerteza, mas resistia Maria!

De 1943 a 1945, ela trabalhou junto à mãe num hotel destinado a abrigar famílias de oficiais alemães. Agora Maria, já com seus 15 anos, limpava, cozinhava e conhecia a solidariedade de uma cozinheira alemã que lhe dava comida às escondidas, que logo era dividida entre outros como nossa Maria.

Parece que o ser humano reage com o que tem de melhor em momentos de extrema dificuldade! Que sorte tem nossa Maria!

Andavam em turma, pois se sentiam protegidos, e assim viveram até 1949, quando tentando avançar chegaram à Itália. Não tinham nada, cozinhavam em fogão improvisado com tijolos e a panela era um capacete de soldado que encontraram no caminho, pareciam moradores de rua e estavam vivos! Não puderam ficar na Itália, pois lá não recebiam estrangeiros e então Maria e sua família voltaram à Áustria.

Depois de muita resistência surgiu a possibilidade de ir para outro país, Chile, como queria seu pai, mas Maria recusou-se, sem saber por que, só sabia que não queria ir para lá. Parece que Maria sentia que seu destino estava no Brasil, pois quando este novo caminho se apresentou ela não teve dúvidas.

Em Fevereiro de 1949, Maria e sua família embarcou para o Brasil. Depois de 15 dias de viagem num navio, chegaram à Ilha das Flores, no Rio de Janeiro.

No dia 16 de Março de 1949, Maria estava onde queria!

Do Rio partiram para Campo Limpo, uma cidade do interior de São Paulo e instalaram-se num galpão com outras pessoas. Sua família recebeu ajuda de custo até conseguir se estabelecer. Depois de um tempo mudaram-se para Osasco.

Já em São Paulo, Maria conseguiu emprego numa fábrica de rádio para automóveis, Telespark. Pelo seu bom trabalho conquistou respeito e dinheiro.

Ajudava no sustento da família e, assim, puderam comprar um terreno e construir uma casa, e a vida continuava seu trajeto.

Mas nem tudo era trabalho! Maria gostava de cinema e não dispensava um baile, e é desta forma que ela chega a São Caetano do Sul. No centro, na Rua Santa Catarina, dançava até as 4 horas da madrugada num salão mantido por imigrantes ucranianos. Num destes bons domingos conheceu Volodymyr, também imigrante. Em novembro de 1955 se casaram e vieram morar em São Caetano do Sul, no Bairro Santa Maria, onde já vivia uma irmã dele.

No começo a casa tinha reboque apenas por dentro, o piso ainda de cimento sem nenhum revestimento. Os móveis do casal se resumiam em um guarda-roupa, uma cama de molas e um colchão de algodão duro, tudo comprado num brechó! O fogão? Uma espiriteira e pronto! O enxoval de Maria era guardado em caixas.

Não tinham luz elétrica, nem água encanada, mas um poço resolvia o problema! Vizinhos? Quase nenhum!

Maria logo ficou grávida e todas as manhãs caminhava com seu marido até a estação de trem de Utinga. Continuava trabalhando na Telespark e tudo era sacrificado, especialmente pelo trem lotado com a barriga cada vez maior.

Mas Maria resistia! Em agosto de 1956, nascia em casa, de parto normal, pelas mãos de uma parteira, sua filha. Dois anos depois, também em casa, dava à luz a seu filho.

Com o nascimento da filha precisou sair do trabalho, pois não havia creche e alguém próximo que pudesse cuidar do bebê. Ela deixou seu emprego sem na verdade querer, mas sua responsabilidade de mãe falou mais alto.

Uma vida de muita luta e sacrifício, que valeu a pena, pois hoje esta mulher só sabe dizer que detesta pessoas que falam em guerra, para ela tudo pode ser resolvido pelo diálogo. Acredita que quando um país é invadido não se tem muita escolha, mas quando não, cada um pode viver em paz com seu vizinho. Orgulha-se de sua casa que hoje a protege, assim como sua família.

Acredita que este é um país abençoado e gosta muito da cidade onde vive, pois não lhe falta nada.

Sente-se vitoriosa e, com orgulho, afirma que o que a salvou não foram as jóias nem o dinheiro, mas a vida! Acredita que a inteligência é nosso Deus, pois através dela podemos vencer muitos obstáculos. Diz que podia hoje ser uma pessoa louca por causa dos horrores da guerra, mas na verdade está lúcida e agradece ao seu pai por tê-la protegido o tempo todo.

Maria é um exemplo de força, coragem, lucidez e resistência!

Esta é a história de Maria Deckij Voloshyn, minha mãe.

Este conto faz parte da Antologia “De Maria a José”, onde 20 autores, pertencentes a Academia Popular de Letras da Biblioteca Paul Harris, contam histórias de pessoas que, pelo seu valor humano, escolheram homenagear.

Este livro foi lançado em Fevereiro de 2012 pela Secretaria de Cultura de São Caetano do Sul.

Ala Voloshyn

Ala Voloshyn

Psicóloga. Escritora. Blogueira. Contadora de Histórias. Mediadora de Conversa Filosófica. Blogs: alavoloshyn, livrosvivos - SoundCloud