Merece maior aprofundamento estatístico e sua consequente utilização como referencial econômico, os dados traduzidos em números daquelas atividades inseridas no contexto das práticas associadas ao jogo de futebol. A partir desse pressuposto, compreendemos essas práticas como efetiva atividade econômica que oportuniza renda a partir das competições, entre torneios, campeonatos ou amistosos, às quais estão inseridas os times, jogadores e comunidades, todas reunidas num arranjo produtivo que movimenta a economia local.
São muitas as atividades econômicas da cadeia produtiva associada ao futebol de várzea; a movimentação de capital passa desde a produção e comercialização de material esportivo até chegar nos pagamentos para jogadores e juízes, transporte, alimentação e primeiros socorros, em geral oportunizado pelas próprias comunidades que se lançam ao desafio de arrecadar fundos através de rifas, sorteios, feijoadas, doação de comerciantes, de políticos e quotização da diretoria. Também os tradicionais ‘bares’ dos campos são importantes fonte de renda para os times e para os comerciantes associados aos clubes.
Bar da Nega, a Vanusa do Clube Esportivo União
Cada atividade econômica ligada ao futebol da várzea tem seus personagens, com suas histórias e vivências. Neste caso, o que menos importa é a frieza dos números ou a subjetividade do bar, mas o exemplo de vida e luta, tenacidade, disposição, energia e superação da comerciante Vanusa dos Santos Tourinho, a popular Nega do bar do campo do União, no Parque São Vicente. Acostumada desde sempre à vida laboral, Vanusa trabalhou em casa de família, restaurante, sacolão, no presídio, de lavadora de camisas dos times, cuidadora de idosos e até no trem vendendo bala. Como diz a própria: “tudo que a gente quer é com sacrifício, portanto, faça sempre o certo”.
Vanusa Tourinho é natural da cidade de Itabuna, Estado da Bahia, on-de nasceu em 07 de junho de 1979; sozinha, desembarcou em São Paulo em 1996 para sofrer em seu primeiro emprego numa casa de família. Detalhe: para tentar a ‘sorte’ na cidade grande, Nega deixou seus dois filhos sob os cuidados da avó em sua terra natal. Dormiu a primeira noite na rodoviária do Tietê, seguindo para o Tatuapé e depois São Bernardo do Campo para trabalhar num restaurante. Por coincidência seria justamente o ‘campo’ o lugar onde a Vanusa iria se encontrar.
Ao chegar em Mauá foi trabalhar no sacolão da Vila Magini, sendo ali convencida pelo Luizão da SE Cruz de Malta para vender nas beiras dos campos de futebol de Mauá. No começo, vendia com a caixa de isopor e uma barraca, junto de seus filhos a carregar muitas caixas nas costas. Hoje comanda o bar do União e graças ao futebol que tanto ama, não vive mais as dificuldades de outrora. Mas não se esquece da época em que “ao tirar as caixas com os produtos, sentia o pescoço tremer, com meus filhos ainda pequenos me ajudando na barraca”, relata.
Vanusa ‘Nega’ e o futebol: mãe e avó, mulher guerreira
Além do trabalho no bar do campo do União, Vanusa é lavadora do fardamento dos times que se utilizam do campo. Mesmo quando atuou em outros serviços, sempre encontrava tempo para frequentar os campos de várzea aos finais de semana, driblando inclusive o conhecido ambiente machista do futebol, que felizmente nunca presenciou. Ao contrário, construiu uma sólida relação de amizade e respeito com os personagens do futebol local, com os clubes e os frequentadores do ambiente dos campos de Mauá.
Mãe de três filhos (dois homens e uma mulher), Vanusa também já é vovó e exemplo para familiares e amigos por sua superação nas dificuldades impostas pela vida e que nunca a fizeram desistir de seus sonhos. Atualmente mora num bairro chamado Palmeiras, na cidade de Suzano, apesar de são-paulina. O futebol é tudo na vida de Vanusa, apesar dela nunca ter praticado o esporte nem arriscado um chute. “Meu negócio mesmo é tá no meio do povo. Eu não me vejo sem o futebol, eu amo futebol”. Parabéns Vanusa por sua existência, obrigado futebol por nos proporcionar exemplos como esse!