As mulheres – esquecidas – de São Caetano do Sul

A cada ano, um tema diferente brinda os leitores no aniversário da cidade

O Jornal Imprensa ABC se orgulha de manter a tradição de sempre inovar nas matérias relacionadas ao aniversário da cidade de São Caetano do Sul. Quem quiser pode verificar que a cada ano este periódico se orgulha de trazer em suas páginas sempre um tema diferente. E neste ano de 2023 não se apresenta de forma diferente. Mais uma vez mantemos a escrita e publicamos uma reportagem que resgata o valor, a importância da mulher na história desta cidade que chega aos seus 146 anos, desde a chegada das primeiras famílias italianas que aqui fixaram residência.

Os registros históricos de São Caetano do Sul sempre esqueceram de citar os feitos, os trabalhos das mulheres. E são poucas as vozes que se levantaram para, de tempos em tempos, dar o devido valor ao mundo feminino no cenário da cidade. Vale citar alguns destes autores que se preocuparam com este resgate, como José de Souza Martins, Claudinei Rufini, Esperança Martorelli Cairo, Henry Veronesi, Priscila Gorzoni e Cristina Toledo de Carvalho.

Agora, convidamos a todos para que acompanhem as pesquisas e textos do jornalista Humberto Domingos Pastore.

Uma portuguesa nas Terras de Tijucuçu

O ano era 1598. Não tinha nem cem anos que as treze naus de Pedro Álvares Cabral tinham aportado em Porto Seguro, na Bahia. Nem se pensava em Grande ABC e muito menos São Caetano. Por aqui era tudo Terras de Tijucuçu. Este era o nome deste território que pegava parte do Ipiranga, do Sacomã, passando pelas famosas sete cidades e chegava até onde hoje está Paranapiacaba. Vale citar também que Tijucuçu é um nome indígena que quer dizer local de muito barro, de terra vermelha.

Por meio de um inventário produzido naquele ano, encontrado pelo professor José de Souza Martins, na biblioteca do Mosteiro de São Bento, na capital paulista, ficamos sabendo que onde fica hoje o Bairro da Fundação, em São Caetano do Sul, existia uma rústica fazenda cujos proprietários era o casal Diogo Sanches e Isabel de Felix. Ele espanhol e ela portuguesa.

Por meio de registro histórico temos então o primeiro casal a residir em terras que viriam a ser São Caetano do Sul, e Isabel de Felix a primeira mulher a pisar neste solo. Pouco se sabe dela, além de que vivia nesta precária fazenda de simples lavoura, parcos animais como galinhas e patos, correndo risco de enfrentar animais ferozes como onças. Sabemos também que Isabel teve um filho, que recebeu o nome de Miguel, e morreu ainda jovem. Aliás o citado inventário citado acima foi redigido para informar que Diogo Sanches falecera e Isabel ficando viúva teve que ceder a fazenda para pagar as dívidas que o casal havia acumulado.

Nesta série de reportagens que busca contar a história a partir das ações femininas, não poderíamos esquecer desta portuguesa corajosa, verdadeira pioneira em terras, hoje, sul-sancaetanenses.

Ausência feminina na lista dos pioneiros italianos

Uma outra grande injustiça cometida contra as mulheres pode ser encontrada na ausência de nomes femininos na lista dos pioneiros italianos que vieram da região de Mântua e Treviso e fixaram moradia no Núcleo Colonial Tijucuçu de São Caetano, tanto na primeira leva em 28 de julho de 1877 como na segunda vinda ocorrida seis meses depois.

Na primeira listagem constam os nomes de 28 homens e na segunda estão mais onze nomes masculinos. Nenhuma citação é encontrada que revelasse um nome feminino. Quem olha estas listas pode supor que só vieram homens solteiros, sem família, já que suas esposas, suas mães, não são citadas.

Com o título “Omissões históricas: As mulheres de São Caetano e suas facetas”, Henry Veronesi escreveu artigo publicado na Revista Raízes em sua edição de número 14, (julho de 1996), reivindicando um espaço na memória histórica da cidade para as mulheres que se estabeleceram no Núcleo Colonial, ao lado de seus familiares. O autor lembra inclusive do argumento do professor José de Souza Martins que assim se expressou: “Embora existam várias listagens dos nomes dos homens que fundaram o Núcleo Colonial de São Caetano, não existe uma única lista dos nomes de suas esposas”. Uma reclamação por demais justa.

As pioneiras italianas mostrando seu valor

Estas mulheres não ganharam placas com seus nomes, não existem bustos de bronze com suas imagens, pouquíssimas ganharam nome de rua, mas as pioneiras italianas participaram ativamente da rotina na vida do Núcleo Colonial Tijucuçu de São Caetano, onde hoje está o Bairro da Fundação.

Relatos pegados aqui e ali, nas páginas da Revista Raízes, como as edições de número 04, (janeiro de 1991), nº 10, (janeiro de 1994), nº 14, (julho de 1996), nº 23, (julho de 2001), nº 32, (dezembro de 2005) e nº 46, (dezembro de 2012) conseguem nos dar um panorama, pequeno que seja, mas que não permite que passe despercebido como seus afazeres eram importantes, necessários e que definitivamente, merecer ler valorizados, aplaudidos, reverenciados.

Elas cuidavam das casas sim. Dedicavam horas e horas no cuidado de seus filhos, preparavam os lanches que os maridos levavam para o trabalho, e além de tudo isso, ainda eram vistas com enxadas na mão, fazendo trabalhos árduos que davam calos nas mãos e doíam as costas.

Elas também eram vendedoras, como Lucia Gallo, a primeira a vender bananas, ou Longa Massei, que era assim conhecida por ser uma mulher alta. Ela teve um neto bastante famoso, o ex-prefeito Oswaldo Samuel Massei. Tinha também a Da. Pasqua, a popular Santa que montou a primeira loja de tecidos, que depois viúva, continuou o trabalho do marido que era alfaiate. Uma cozinheira de mão cheia, verdadeira Chef era Marieta Dalcin que vendia seus produtos na frente da igreja.

Como não citar a primeira parteira, Maria Daffé Dalcin, que já na Itália exercia este nome missão. Depois dela tivemos suas sucessoras neste trabalho de realizar os partos que foram Heloíza Scarazzatti e Luzia Lodi.

Duas mulheres eram conhecidas por sua expansiva bondade, pessoas sempre prontas a servir, a ajudar. Eram elas Celestina De Nardi, a matriarca dona do Palacete De Nardi, que hoje abriga o Museu Histórico da cidade, e Augusta Coelho, esposa do hoje, nome de rua, Manoel Coelho. Ela era uma pessoa muito simples, mas que conseguia ajudar muita gente, por meio de sua amiga, Heloiza Pamplona, proprietária da fábrica Pamplona.

Como não citar Marina Giacomini, esta uma das poucas a ter seu nome em uma rua, localizada no Bairro Santa Paula. Ela era conhecida por Carbonara, e possuía um sítio atras da fábrica de Formicida, na atual Avenida Goiás. Ela tinha um grande pomar e enorme mata, de onde tirava madeira para produzir carvão, que depois vendia em São Paulo.

Na área da medicina eram as mulheres que detinham o alento aos doentes por meio de rezas e receitas caseiras feitas a base de ervas e raízes. Flávia Coradini Veronesi era uma destas pioneiras italianas que atendiam em sua casa e comprovadamente curava com a prática de uma medicina rústica, mas eficiente para a época.

Omissões históricas contra as mulheres do município

Com o título Omissões Históricas (As mulheres de São Caetano), Henry Veronesi perpassa por esta realidade ao escrever artigo na revista Raízes de número 14, (julho de 1996), onde citando alguns exemplos de omissões destaca a sofrida pelas pioneiras italianas que aqui chegaram com seus maridos.

Ele chega a perguntar: “Será que essas mulheres, que vieram para a colônia junto com seus maridos, que sofreram as agruras e as misérias da vida encontrada aqui, durante a colonização, que labutaram pesado, lado a lado de seus companheiros, não merecem um espaço na memória histórica da cidade?”. E complementa: “Falseia a História quando omite as personagens representantes do sexo feminino. As esposas dos imigrantes fundadores-colonizadores do Núcleo Colonial de São Caetano”.

Na publicação são citados os nomes de algumas pioneiras italianas que Veronesi conseguiu amealhar em sua pesquisa. Ele lamenta as tantas outras, cujos nomes não pode apurar. Mas em seu resgate recorda de Giovanna Franzago, (esposa de Giovanni Moretti). Em seguida enumera os nomes femininos de outras personagens italianas da época como Magdalena Rossi, Domingas Lott Dal Cin, Angela Gobbo Garbelotto, Angela Dal Cin, Augusta Bortolini, Agata Coan, Arcangela Fabri De Nardi, Angela Pallú, Ninfa Gallo, Ana Perin, Prima Razzaghi Ferrari, Maria Pantallo, Maria Madella, Luigia Coppini, Rosa Fregeli Carnevalli, Tereza Peruch, Marcela Gennari, Luigia Baral di, Filomena Carnevalli Fiorot, Catarina Braido, Tereza Braido e Eugênia De Martini.

As Líderes Autonomistas

Noventa e cinco nomes compõem a lista dos considerados Líderes Autonomistas, personalidades que se destacaram na luta pela emancipação do, então sub-distrito São Caetano do jugo de Santo André. Movimento que culminou com o famoso plebiscito de 24 de outubro de 1948, quando a maioria dos moradores aptos a votar disseram sim para a separação e para a transformação da vila, no município de São Caetano, acrescido do apêndice: do Sul para não confundir com a anterior cidade São Caetano que já existia em Pernambuco.

Pois então. Destes noventa e cinco nomes, noventa são masculinos, e somente cinco são de nomes de mulheres. Recordamos Helena Musumeci, Laura Moretti, Odete Paschoal, Olga Montanari de Mello e Sofia Sampaio. A seguir contamos um pouco sobre a vida de cada uma delas, em dados fornecidos pela Revista Raízes, Edição Especial, publicada pela Fundação Pró-Memória em comemoração aos 50 anos da autonomia.

HELENA MUSUMECI

Nasceu em Santa Cruz da Conceição, no dia 7 de agosto de 1902. No ano de 1926 veio morar em São Caetano. Casou-se com José Musumeci com quem teve quatro filhos: Ignácio, Claudio, Benito e Nelide. Empresa de renome foi proprietária da Torrefação e Moagem de Café São Caetano, que tinha sua sede no Bairro da Fundação. Durante a Revolução de 1932 participou da comissão feminina encarregada de angariar produtos para enviar aos soldados na guerra.

Além disso, auxiliava na confecção da farda dos combatentes. Em 1975, a Prefeitura inaugurou uma escola de ensino infantil em sua homenagem, a EMEI Helena Musumeci situada na Rua Paranapanema, 670, no Bairro Nova Gerti. No Bairro Cerâmica existe uma rua com seu nome. Ela faleceu em 23 de dezembro de 1996.

LAURA MORETTI

Nasceu em São Caetano no dia 17 de agosto de 1917. Filha de Benedito Moretti e Toscana Farini Moretti. Casada, teve três filhos: Tarcísio, José Carlos e André. Fez seu primário no Grupo Escolar Senador Flaquer, no Bairro da Fundação e depois estudou na Escola Príncipe de Nápoli. Exerceu sua atividade profissional no Escritório da Fábrica de Louças Claudia.

OLGA MONTANARI DE MELLO

Nasceu no dia 1º de dezembro de 1920, no Bairro da Lapa, em São Paulo. Filha de Adolfo Montanari e Dora Bruno Montanari, foi casada com Jayme Barbosa de Mello com quem teve um filho: Ruy. Formou-se jornalista pela Faculdade Casper Líbero. Trabalhou na Indústria Pirelli Condutores Elétricos S/A.

Foi vereadora em São Caetano do Sul por três legislaturas. Na primeira com 70 votos pela UDN; segunda com 184 votos pela UDN e na terceira com 403 votos pelo PTB. Olga foi a primeira mulher de São Caetano do Sul a tirar carteira de motorista. Ela faleceu no início de dezembro de 2013 com 92 anos.

Faltam registros de duas Líderes Autonomistas

Gostaríamos imensamente de homenagear nesta reportagem as cinco mulheres líderes autonomistas, mas infelizmente de duas não são conhecidos nenhum detalhe, nenhuma informação. São elas Odette Paschoal e Sofia Sampaio.