A Livraria e Editora Alpharrabio (Rua Eduardo Monteiro, 151 – Jardim Bela Vista – Santo André) terá no próximo sábado (30) o lançamento de dois livros: Uma escada que voa e outros escritos, de Conceição Bastos e Cidade Cativa, de Deise Assumpção. Confira um pouco sobre os livros:
Uma escada que voa e outros escritos
Há algo de memorial em Uma escada que voa e outros escritos, mais novo livro de Conceição Bastos. A infância, aqui recriada poeticamente, é a força motriz para um discurso que congrega reminiscências e perplexidade diante do que o tempo é capaz de desagregar, as marcas da morte e da perda que atravessam uma existência, a capacidade de recomposição. Já no início do discurso poético é criado um ambiente enevoado por intermédio da locução circunstancial de tempo “era uma vez”. Era uma vez uma criança, diz o sujeito poético, e somos levados a um tempo simultaneamente fabular e vivido, um labirinto construído por um emaranhado de sentimentos, percepções, objetos, fragmentos do passado, notícias do presente.
Há ainda um certo eco bandeiriano nessa poética que faz com que seus temas rocem nos poemas Profundamente e Evocação do Recife, talvez porque as meninas que dançam em roda em uma e em outra paisagem toquem as mãos em determinados momentos, ou porque a pergunta fundamental e cortante “Ubi sunt?” remeta, em ambos os autores, à questão da transitoriedade da vida e do que persiste nos afetos. Entretanto, nessa poesia de Conceição Bastos há também um olhar que é compassivo para com o presente, um olhar pungente para infâncias fraturadas pelas guerras, gritei mamãe até o quinto estrondo, um compromisso que não fica no residual da nostalgia, um olhar contemporâneo de si mesmo capaz de se soerguer diante das ruínas.
De modo que Uma escada que voa e outros escritos angaria uma força que faz com que o tom evocativo sirva de arrimo e motor para presente e futuro, o que o inscreve na chave da grande política de estar nesse mundo, um pacto que é feito com aquilo que passou, mas também com um novo corpo, com um novo mundo. E a mulher que emerge do vulcão e sabe que mudará a história, constrói o caminho para se erguer (ou ressurgir) das sombras.
Micheliny Verunschk é escritora.
Uma escada que voa e outros escritos
Autora: Conceição Bastos
Editora: Alpharrabio Edições
Número de páginas: 88
Ano: 2023
Formato: 14×21 cm
ISBN: 978-65-87810-22-5
Preço: de R$ 40,00
Cidade Cativa
É notável que o encerramento do livro se dê com a palavra “entranhas”, talvez esse vocábulo sugira tanto a vivência revelada quanto o desejo duradouro. Talvez seja essa a meta desses poemas: pela geografia pessoal e afetiva que reorganiza a cidade, monumentos e espaços derruídos atravessam o corpo e ressignificam o “mirante de avenida e varais”.
Eis a cidade cativa que expande o viver apaixonado e aprisionado ao mesmo tempo. A urbe radicada de tantos desvãos, empurrando o movimento cotidiano para dentro da própria comoção, das décadas vividas e das inevitáveis mudanças que são a semente do jogo poético, vale dizer, da vida que (re)vida e decide, por meio de versos, cantar cada pedra dos tempos idos.
Se os lugares retratados são reconhecíveis pelos habitantes da cidade, eles revelam também o convívio entre qualquer ser e qualquer cidade, dimensão da perda e da passagem da experiência citadina. Isso faz lembrar a ideia de que os poemas não são feitos para a cidade, mas contra a cidade, única forma de amor possível. Assim, a Mauá que a voz poética canta não existe, nunca existiu, melhor dizendo, está construída apenas naquela forma mentada pelos versos, sequestrando à história a (ir)relevância das datas e dos fatos, mesmo quando apresenta a recente destruição do castelinho de Hans Grudzinski ou o envenenamento contínuo do Tamanduateí, é o tempo imemorial que se impõe: é um lugar de poesia, em que a regra principal não se curva ao testemunho ou à narração, antes disso, apura o poema sem qualquer ilusão de redenção, empurrando a pedra do tempo que sempre volta a rolar.
Depois dos ícones e dos instantâneos do subtítulo, tem-se a relevante palavra testamento, no que ela implica de morte e de fechamento. Aquilo que fica nunca pode ser totalmente mensurado, por isso que os sonhos habitam as entranhas. Por isso que um testamento tem que ser lido por aquele que sobreviveu, um diálogo em ausência, já incorporado aos índices perdidos da existência. Essa herança é, acima de tudo, a mão de uma menina que convida o leitor para um passeio entre fábricas, altares, praças e trens, de morro a morro onde “barracos galgam o gólgota”. A herança é a cartografia assimilada dos mapas em transformação.
Vale ressaltar a écfrase construída no poema “Capela da Santa Casa”, espécie de espinha dorsal do livro, em que a obra de Emeric Marcier serve de alegoria da revelação e “do sentido/ do viver”, perpassando o debate filosófico-religioso e a notação hospitalar-medicinal. Via-crúcis do corpo e da alma, é, além da descrição ecfrástica, êxtase urbano que se perde quando os olhos se afastam do choque meditativo.
Toda experiência é pó, talvez o mesmo pó arrancado pelos escarpelinos e pelos trabalhadores da porcelana, pano de fundo da cidade dormitório, termo esse que assume um sentido muito diverso para quem fica, para quem habita as décadas e conhece a vida a partir dessa ampla vivência. O pó da cidade é o trabalho da poeta como professora, o estar em família, a paisagem do envelhecimento, a ciência oculta do verso. Nesse pó, há uma boa dose de suor e enfrentamento com a finitude, o ir e vir pela linha (sub)urbana no espaço em que se decidiu passar a vida.
Eis a cidade cativa ainda outra vez, fragmentos de ternura pontiaguda para todas as cidades que habitam o coração. Danilo Bueno – fevereiro/março de 2023
Cidade Cativa – Ícones e Instantâneos da cidade de Mauá – SP – Brasil
Autora: Deise Assumpção
Editora: Alpharrabio Edições
Número de páginas: 88
Ano: 2023
Formato: 14×21 cm
ISBN: 978-65-87810-24-9
Preço: de R$ 40,00