O Tempo e a Água

Érico Verissimo, importante escritor gaúcho que teve partes de sua obra transformada em filmes ou séries de TV, como Um Certo Capitão Rodrigo ou Incidente em Antares, nominou a trilogia principal de seus romances como “O Tempo e o Vento”. Em “O Continente”, “O Retrato” e “O Arquipélago”, o autor registra episódios épicos da saga histórica da constituição de seu Estado natal, fazendo alusão inclusive às culturas que o compõe.

Interessante notar que já no título da trilogia, Veríssimo faz alusão às condições meteorológicas peculiares do Rio Grande do Sul. Provavelmente se fosse discorrer hoje sobre acontecimentos atuais desse Estado, o autor tivesse que usar, ao invés de O Tempo e o Vento, a denominação O Tempo e a Água.

Estamos todos estarrecidos pelas imagens que vemos nos noticiários, da tragédia que se abate sobre essa parte tão específica e relativamente pequena do globo terrestre e de nosso país. Ficamos sabendo, pelos comentários de meteorologistas, que as chuvas torrenciais e enchentes ocorrem pela confluência e embate de massas de ar geladas vindas do polo sul, com massas de ar quentes, vidas do equador, mais especificamente da Amazônia. Condições essas agravadas pelo aquecimento global, que já registra médias superiores a um e meio graus centígrados, segundo especialistas. São acontecimentos de magnitude dantesca. Porém, certamente não escaparia da argúcia e ironia fina do escritor gaúcho, a responsabilização das autoridades em, conhecendo as previsões científicas do retorno cíclico das intempéries, não tomarem providências que pudessem com antecedência mitigar as destruições e o sofrimento da população, com crescimento no número de mortes a cada etapa em que se verifica.

Nos últimos dois anos ocorreram quatro fenômenos atmosféricos atípicos nesse Estado, sendo três provocados por enchentes de rios, lagos e barragens e um por uma seca aterradora. Ou seja, um pela falta de água e três por excesso dela. Efetivamente, o tempo e a água.

Dentre as causas, já sabidamente, porém sempre combatidas pelos negacionistas, a devastação das florestas e matas ciliares em favor das grandes plantações do agronegócio ou da criação de pastagens para o gado, como também a desordenada ocupação do solo pela voracidade do chamado mercado imobiliário. Entretanto, como já dito, as autoridades fazem vistas grossas, como também se beneficiam de partes das benesses advindas dos lucros.

Ah! Mas isso tem a ver com o Rio Grande do Sul e suas características peculiares, dirão alguns. Não nos enganemos. Segundo autoridades científicas estamos já ultrapassando o chamado “ponto de não retorno”. E isso em escala global. Ou seja, as consequências virão também sobre o restante do país e do globo. É urgente que verbas sejam destinadas e providências tomadas para minimamente nos prevenirmos dos efeitos que já atingem a todos nós. Para isso precisamos de autoridades que encarem com seriedade esses problemas e isso tem a ver com política. Ou seja, “fora da política não há salvação”. Por isso torna-se tão importante discutirmos essas questões, para tomarmos opções acertadas nos nossos processos eleitorais, quase permanentes, e não escolhermos políticos negacionistas, mas aqueles que tenham a consciência e dimensão da realidade à qual o capitalismo e o mercado global nos trouxeram.

Prof. Luiz Eduardo Prates
Professor Universitário, Sociólogo, Teólogo e Educador.