Em defesa da democracia

É inegável que o Brasil flerta com o autoritarismo. Parece um caso de amor mal resolvido. O apreço de grande parte das pessoas por soluções autoritárias está no substrato de nossas consciências, mas isso não é por acaso. Trata-se de uma construção histórica, política e social, mas também da construção feita nas nossas relações familiares. Apenas alguns elementos para pensarmos sobre isso.

Digamos claramente, o Brasil é fruto de invasão e ocupação estrangeiras. Quando aqui chegaram os portugueses nestas terras imensas que nem nome tinham, encontraram duas coisas: muitas riquezas a serem exploradas e populações que aqui habitavam, que aos olhos dos que chegavam eram seres de segunda categoria (ainda hoje há quem pense assim). A decisão foi ocupar a terra, com a espada e a cruz. Submeter esses povos pela força e pela cultura. Essas populações procuraram resistir e foram dizimadas, mas hoje, embora o número seja infinitamente menor, temos indígenas se sobressaindo em muitas áreas, inclusive na política e na intelectual. Num segundo momento, para explorar as riquezas, se optou pela escravização. Populações imensas foram trazidas da África como pessoas escravizadas. Ora, ninguém aceita pacificamente ser escravizado. A escravização foi feita por meio das violências mais inomináveis. A primeira delas, destituir pessoas de sua condição de ser humano e tratá-las como coisas. São essas as raízes do racismo estrutural em que vivemos. Essas soluções, pela violência e pelo autoritarismo ainda permanecem, como dito, no substrato de nossa consciência coletiva.

Mas também nas relações pessoais familiares. Sem pensar exercemos autoritarismo e violência sobre nossos filhos e filhas. E achamos isso legítimo. O número de feminicídios e de estupros, que cresce assustadoramente, atestam como homens se sentem autorizados, pelo simples fato de serem homens, a exercerem autoritarismo e violência sobre mulheres. Haja vista a proposta de anular o aborto autorizado pela lei e condenar por homicídio vítimas de estupro que recorrem a ele, imputando pena menor ao estuprador.

Passar da violência exercida nos meios de produção e nos ambientes familiares para a vida política, impondo a vontade de alguns sobre uma população inteira, é apenas um pequeno passo. E infelizmente há uma parcela grande da população sempre disposta a dar ou a aplaudir esse passo.

Será essa a única alternativa para nossa vivência familiar e político-social? Creio que não. Por mais difícil que seja o diálogo e a busca de soluções que contemplem minimamente todas as partes, ainda que seja somente ouvindo e respeitando posições minoritárias, é muito mais honroso e salutar optarmos pelos caminhos da solução pacífica e que preserve o direito de participação de todos.

Por isso, a defesa intransigente da democracia se impõe. É nela, por ela e para ela que devemos empenhar nossas forças e nossas vidas. Precisamos repudiar sempre o autoritarismo. Inclusive as pessoas que buscam o poder por meio de eleições para impor autoritarismo.

Prof. Luiz Eduardo Prates
Sociólogo, Teólogo e Educador