E a classe média?

Existe um preceito nas ciências sociais, notadamente nas vertentes da teoria crítica, que diz que “em uma sociedade estruturada em classes sociais as ideias dominantes são ideias da classe dominante”. Ora, nas sociedades capitalistas, ninguém tem dúvidas de que a classe dominante é a formada pelos capitalistas, ou seja, os proprietários dos meios de produção – fábricas, terras, megaempresas, grandes fortunas. São os donos do poder. Aqui há que se fazer uma distinção entre poder e governo. Nem sempre quem está no governo representa ou tem o poder. É por esse o motivo que quando chega ao governo uma fração de classe que não é da classe dominante, dificilmente conseguirá implantar o programa pelo qual foi eleito.

Porém, surge a pergunta: quem é que produz e veicula as ideias da classe dominante? A atividade dessa classe é a manutenção de seu poder, por diversos meios. Não se ocupa em formular e divulgar ideias. Quem faz isso é a chamada classe média, uma fatia considerável da sociedade que, não sendo parte dos detentores dos grandes capitais, orbita ao redor deles para auferir padrões elevados de vida. Parecem ricos, mas o que parece nem sempre é.

A estruturação em classes parte do princípio da vinculação à estrutura de produção, portanto à base material da sociedade. No atual estágio do capitalismo, com as revoluções que assistimos nas últimas décadas, como a da informática, para usar um termo geral, ou da química, que produz materiais não diretamente da natureza, e com sua face neoliberal, fica muito complexo estabelecer as vinculações às bases materiais, portanto ao pertencimento de classe. Porém a elaboração e veiculação das ideias mais facilmente assimiláveis pela população em geral e que dêm sustentação à situação atual, permanece sendo não das camadas mais elevadas, mas das camadas intermediárias. Aqui entra grande parte do que você assiste nas tvs, rádios, ou acompanha nas redes sociais, dando atenção a noticiários ou a ‘especialistas’ em diversos assuntos. Esse é o nível da ideologia e dos aparelhos ideológicos, como meios de comunicação, internet, escolas, igrejas etc., que difundem ideias não necessariamente favoráveis à maioria da população, mas que essa assume como sendo suas. Trata-se do fenômeno chamado hegemonia, que ocorre quando uma classe consegue impor suas ideias à totalidade da sociedade e esta as defende como se fossem suas própria. É parte, ainda, dessa camada social, o aparato jurídico que, em grade medida, sustenta a situação como está.

Temos um exemplo disso com as chamadas escolas cívico militares. Alega-se aí uma divisão entre as funções pedagógicas e as funções disciplinares da manutenção da ordem. Também se advoga uma escola sem ideologia, quando essa é, em si, a ideologia. A questão que fica para refletirmos é: qual é a ordem que se quer manter? Ora, vivemos em uma sociedade escandalosamente dividida entre uma pequena parte que concentra a riqueza e uma população imensa que pouco ou quase nada possui. Entre as duas, uma classe média composta de quem ganha salários elevadíssimos e usufrui de uma vida semelhante à dos muitos ricos, mas também de quem ganha muito pouco para sobreviver. Manter essa ordem de coisas é interesse de quem? Não seria melhor que se promovesse, por meio das escolas, dos meios de comunicação etc., visões críticas à essa sociedade, objetivando uma mudança social que favorecesse condições de vida melhores para a maioria da população? Aí entraria novamente o papel da classe média, desta vez não como aliada aos núcleos do poder, mas à maioria da população que é composta pelos trabalhadores e trabalhadoras e aos setores mais empobrecidos e miseráveis. Essa opção, entretanto, é mais difícil porque implica no risco de menores remunerações e até em perigo.

A classe média, portanto, pode ter dupla vinculação, ou aos detentores do poder assim como ele está, ou a quem necessita a transformação social para ter melhores condições de vida. Em termos de ciências políticas, como intelectuais orgânicos ao capital ou aos trabalhadores.

Prof. Luiz Eduardo Prates