Podemos dizer, sem medo de estarmos demasiadamente errados, que, em alguma medida, a mentira sempre esteve presente na política. Exagerar ou diminuir algum dado, esconder alguma informação importante, dar como totalmente certo algo que contém alguma imprecisão, sempre fizeram parte do jogo político em que adversários procuram vantagens sobre seus opositores. Tudo isso não deixa de ser grave, em menor ou maior medida, dependendo do que é afirmado ou do propósito a que se quer chegar. Existem, porém, situações em que essa gravidade passa a ser exponencial. Quando, por exemplo, o objetivo não é simplesmente superar o adversário na discussão ou no jogo político, mas eliminá-lo (se possível fisicamente).
É o caso do autoritarismo, que teve no nazismo e no fascismo seus exemplos mais extremados.
O jogo político, dentro dos ambientes democráticos, prevê e se beneficia de situações de antagonismo ao nível das discussões de ideias e de propostas. Nesse caso, a alternância informada e esclarecida é salutar e esperada, para que a sociedade possa avançar pelos melhores caminhos possíveis nas diversas situações. Não é o caso dos regimes autoritários. Ali se impõe, ou pela persuasão ou pela força, a vontade de uma pessoa ou de um grupo dirigente. O problema é quando grupos da sociedade usam os mecanismos democráticos para chegar às posições de domínio e assim chegarem à condição de impor suas decisões. Nesses casos, o objetivo do jogo político não é a disputa de ideias e projetos, mas o sufocamento da democracia e a eliminação dos adversários. É aqui que entra o uso e o abuso da mentira como arma política.
Essa situação já, por si, é grave. Mas alcança ainda gravidade extrema quando encontra condições de espalhar as mentiras indiscriminadamente e alcançar milhões de pessoas quase instantaneamente como é o caso das redes sociais possibilitadas pela internet. Aí costuma-se dizer uma mentira e logo a retirar do ar ou tentar dar uma interpretação que amenize ou contrarie o que foi dito. É um estratagema muito usado pois, uma vez dita a mentira, ela já se espalhou infinitamente e já fez o estrago esperado. Todos conhecemos a metáfora do travesseiro de penas.
Porém a situação pode ainda ser mais grave. Hannah Arendt, filósofa alemã, de origem judaica, que estudou profundamente o surgimento e o desenvolvimento do nazismo e que se tornou muito conhecida ultimamente com o filme Operação Final, sobre o julgamento de Adolf Eichmann em Jerusalém, disse: “Essa mentira constante não tem como objetivo fazer com que as pessoas acreditem em uma mentira, mas sim garantir que ninguém mais acredite em nada. Um povo que não consegue mais distinguir entre a verdade e a mentira não consegue distinguir entre o certo e o errado. E esse povo, privado do poder de pensar e julgar, está, sem saber e sem querer, completamente sujeito ao domínio da mentira. Com um povo assim, você pode fazer o que quiser.”
Vivemos tempos em que, fruto das diversas crises geradas pelo capitalismo, verificamos uma escalada da extrema direita e de soluções autoritárias no mundo. É esse o contexto que hoje temos na política brasileira, inclusive nas eleições municipais que se aproximam. A quantidade de mentiras (fake news) espalhadas via internet ou mesmo em propagandas e debates eleitorais faz parte da estratégia de levar a população à incapacidade de fazer juízos morais e éticos e mesmo de não acreditar em mais nada e assim aceitar de bom grado imposições autoritárias.
Impõe-se um alerta à cidadania consciente, defensora da democracia e dos direitos políticos e humanos para barrar esse avanço da direita e da extrema direita. É preciso desenvolver relações éticas. Usar o senso crítico. Estudar e aperfeiçoar os diversos projetos de desenvolvimento da sociedade em busca de um mundo melhor, mais justo e fraterno. E acreditar e lutar por eles.
Prof. Luiz Eduardo Prates