Todos e todas temos imenso orgulho pela Independência do Brasil, cuja data cívica comemoramos no Sete de Setembro. Não obstante, a historiografia contemporânea nos diz que as ideias gerais que temos a respeito não correspondem exatamente aos fatos históricos daquela época. Mesmo o famoso quadro Independência ou Morte, pintado por Pedro Américo, que nos vem à memória ao repensarmos esses momentos, corresponde mais à imaginação do artista e à necessidade de afirmação do sentimento nacional brasileiro do que a acontecimentos reais. Pedro Américo nasceu vinte e um anos após a Independência e o quadro foi pintado sessenta e seis anos depois dela. Teve como inspiração outras obras que retratavam batalhas e feitos épicos europeus, sendo esse um pouco o espírito que o quadro quer nos inspirar.
Um detalhe, entretanto, talvez represente um pouco do sentimento crítico do pintor sobre esses acontecimentos. No canto de baixo, do lado esquerdo, aparece um homem do povo, possivelmente negro, vestido com roupas simples que contrastam com as vestimentas militares do próprio Dom Pedro e sua caravana, tocando um carro de bois e apenas olhando para a cena. É possível que o pintor queira, com essa imagem, transmitir a mensagem que a Independência foi forjada pelas elites, sem envolvimento algum do povo simples e trabalhador do Brasil.
Efetivamente, nossa Independência foi um arranjo de parte das oligarquias dirigentes com a Família Real dos Orleans e Bragança, de amplos lastros nas monarquias europeias, que estendeu compromissos até 1889. Diferentemente de outros países sul-americanos que juntamente com sua independência proclamaram a República e libertaram os escravizados, no Brasil isso só aconteceu com o final do Império, em 1888 e 1889. Mesmo assim, como foi dito, nada deve abalar nosso sentimento de orgulho pela Pátria.
A pintura de Pedro Américo retrata o momento do Grito que sela nossa Independência. Porém, podemos pensar que esse, que é um grito dos altos poderes da nação, sufoca milhares ou milhões de outros gritos, os gritos de socorro, de horror, de fome, de abandono, de milhões de brasileiros e brasileiras, desde então até os dias de hoje. São gritos que ficam trancados nas gargantas porque não têm possibilidades, ambiente ou ‘autorização’ para se manifestar.
Esse é o motivo que levou setores da Igreja Católica Romana, como a Semana Social, as Pastorais Sociais e a CNBB, a criar, em 1993/1994, o movimento Grito dos Excluídos, hoje chamado Grito dos Excluídos e Excluídas, como uma forma de dar vez e voz a essa parcela massacrada e marginalizada da população. A data de referência é o Sete de Setembro aludindo ao Grito de Independência, mas também a que o Grito dos Excluídos e Excluídas deva ser ouvido e providências tomadas quanto à emancipação social e possibilidades de vida digna no país. Desde então, o Grito alcançou grande ampliação e é hoje um movimento ecumênico e interreligioso e está presente em centenas de cidades.
Em que consiste o Grito dos Excluídos e Excluídas? É uma manifestação popular carregada de simbolismo, que integra pessoas, grupos, entidades, igrejas, pastorais e movimentos populares e sociais comprometidos com as causas dos excluídos e excluídas. Ele brota do chão e é vivido na prática das lutas populares por direitos. São realizados diversos tipos de programações, como caminhadas, desfiles, celebrações especiais, romarias, atos públicos etc., não apenas no dia, mas previamente e posteriormente a ele.
Neste ano, em que se comemora 30 Anos de Resistência do Grito, o tema é: Vida em Primeiro Lugar! E o lema: Todas as formas de vida importam. Mas quem se importa?
Aqui no ABCDMRR paulista, a partir do primeiro dia do Grito após a pandemia de Covid 19, criou-se o Fórum de Combate às Desigualdades Sociais, composto por cerca de 30 organizações, movimentos populares e pastorais, que se tornou um dos promotores do Grito na região.
A caminhada acontecerá dia 7 de setembro, em Diadema, com concentração na Igreja Matriz, Praça Agostinho Bertoli, s/n. Às 8h missa, seguida de café da manhã, caminhada, ato interreligioso e apresentações culturais. Participe!
Prof. Luiz Eduardo Prates