Crise de encantamento

O mundo está vivendo simultaneamente várias crises: climática, bélica, econômica, política etc. Edgar Morin, sociólogo e filósofo francês, chegou a dizer, em um de seus livros: “[…] na era da disseminação nuclear e da degradação da biosfera, tornamo-nos, por conta própria, um problema de vida e/ou morte”. Não obstante, em meio a tudo isso, parece que vivemos uma realidade natural, que nada nos abala. O liberalismo continua com suas pregações sobre a eficiência do mercado, da privatização etc. A concentração da riqueza continua com níveis escandalosos, relegando à pobreza ou miséria extrema grande parte da humanidade. Gasta-se imensamente mais com a indústria da morte, via armamentismo, drogas ilícitas e a própria indústria duvidosa de medicamentos, do que com o combate à fome, por exemplo. Em grande parte, o que determina o tipo de sociedade em que se vive é a fonte de energia que a movimenta. E ainda não se encontrou alternativas eficientes e suficientes ao combustível fóssil, que continua gerando o efeito estufa.

Apesar de todo esse quadro de horrores, as forças que pretensamente deveriam se opor a essa situação não encontram alternativas. É o problema da esquerda brasileira, com resultados no mínimo incômodos nas eleições municipais últimas.

A hegemonia dos discursos da ordem capitalista segue vitoriosa e inabalável. E a cada nova etapa parece encontrar alternativas ainda mais atraentes para a população propalando suas mentiras e aumentando ainda mais seus capitais. Vide as propagandas que eletrizam grande parte das pessoas, especialmente a juventude, por eficiência ou por falta de alternativas, como o enriquecimento fácil e rápido como influencers, com o jogo, leia-se bets, ou simplesmente pelo empreendedorismo, como a uberização etc. Quem de fato enriquece por esses meios? Pouquíssimos. Diga-se, os que já são muito ricos e as grandes empresas. Para a maioria sobra o trabalho excessivo, extenuante, sem garantia nenhuma e o desespero.

Por isso, a todas as crises apontadas anteriormente, temos que somar a crise de projeto civilizatório. Dizem alguns “a esquerda morreu” e em seu lugar ficou apenas um vácuo. Será mesmo isso? Rosa Luxemburgo dizia: “Socialismo ou barbárie”. Estamos mesmo condenados a viver para sempre na barbárie? Chegamos ao fim da história, como disse Fukuyama, entendendo por fim não o ponto derradeiro da trajetória humana, mas um prolongamento infinito e inalterável do tipo de sociedade capitalista em que vivemos?

A hora é grave. Porém a humanidade e inclusive o povo brasileiro, conta, certamente, com talentos suficientes para encontrar alternativas. E isso não surgirá pronto, de uma vez por todas, como soluções mágicas para os problemas todos. Deverá ser percurso longo e de construção constante. E com pequenos começos em muitos lugares simultaneamente. Mas a revisão da história se impõe. E um ponto essencial nessa revisão é o da consciência ética. Não é aceitável que se conviva com a violência em lugar do argumento. Não é aceitável que se desqualifique o outro, simplesmente por ser diferente. Não é aceitável que se conviva com a acumulação a qualquer preço. Não é aceitável considerarmos normal a destruição do planeta para manter um ‘desenvolvimento’ predador e que exclui no mínimo 60% da população de condições dignas de vida.

Temos que encontrar novos projetos. Projetos capazes de encantar corações e mentes e de mobilizar vidas e recursos para construirmos o novo. Precisamos vencer a crise de encantamento.

Prof. Luiz Eduardo Prates