você pode ouvir mil vezes que a vida é frágil, que tudo pode mudar de uma hora pra outra, que saúde é o que importa. mas só acredita mesmo quando sente. quando o corpo treme de febre, os ossos doem como se carregassem um passado inteiro e o ar falta. quando até levantar da cama parece um esforço épico e você, que vive correndo atrás de tudo, não consegue correr nem até o banheiro sem se apoiar na parede.
foi a gripe, mas podia ter sido outra coisa. um susto, um acidente, um diagnóstico qualquer. a verdade é que tem muito mais coisa tentando nos matar do que nos manter vivos. e mesmo assim, a gente só presta atenção quando o calo aperta. só desacelera quando o corpo desaba. só valoriza a respiração quando ela falta.
engraçado como a doença tem esse poder de nos colocar cara a cara com o que realmente importa, e também com o que não importa nada. aí você pensa: “preciso mudar”. “preciso cuidar mais de mim”. “preciso rever minhas prioridades”. só que esse susto passa. o corpo melhora. a vida volta ao caos de sempre. e a maioria volta junto.
porque mudar exige mais do que um susto. exige coragem no dia comum. no dia sem dor. no dia em que tudo parece sob controle.
ainda estou me recuperando, ainda estou meio mole. mas uma coisa ficou clara: a vida não manda recado, manda sintomas. e quem não escuta o corpo, aprende pela dor.
e o mais cruel é que a gente sabe. lá no fundo, a gente sempre sabe. sabe que tá passando dos limites, que tá empurrando o corpo com a barriga, que o cansaço não é só físico: é emocional, mental, existencial. mas a gente segue. porque tem boleto, tem gente que depende, tem ego, tem orgulho. e tem medo. principalmente medo.
a gente aprendeu a ignorar os sinais. normalizou acordar cansado, viver com dor, engolir choro, travar os ombros, fingir que tá tudo bem. e quando o corpo grita, a gente joga um remédio por cima, um café, uma desculpa. como se fosse possível anestesiar o grito sem ouvir o que ele quer dizer.
mas não dá pra enganar o corpo por muito tempo. ele cobra. com juros. às vezes devagar, com uma ansiedade que vai crescendo sem a gente perceber. às vezes de uma vez, derrubando tudo de repente, como um puxão de tomada. e aí não tem planilha, não tem meta, não tem quem resolva por você. é só você e o seu corpo, numa conversa que você adiou por tempo demais.
então talvez a pergunta não seja “como eu fiquei doente?”, mas “quanto tempo eu venho me traindo pra chegar aqui?”. porque o corpo não é vilão. ele é o mensageiro. e a gente precisa aprender a escutar antes que ele precise gritar.
talvez o que a gente chame de azar, o corpo chame de limite.
e talvez tudo que tenha nos faltado até hoje não seja tempo, sorte ou oportunidade, mas coragem de parar. de olhar pra dentro. de admitir que não dá mais pra seguir do mesmo jeito.
porque viver no piloto automático é confortável… até que não seja mais. até que o corpo trave, o peito aperte, a cabeça entre em colapso. até que o mundo te force a parar aquilo que você deveria ter interrompido sozinho. e aí você percebe: quem não escolhe os próprios limites, vai ser escolhido por eles.
então antes que o cansaço vire colapso, que a gripe vire crise, que a vida vire lamento… escolhe você. escolhe seu descanso. escolhe sua saúde. escolhe a vida que você quer viver, e não só a que você aguenta sobreviver. porque no fim das contas, ninguém vai te aplaudir por ter se destruído em silêncio.
enrico pierro
@enricopierroofc (Instagram, TikTok, X e Threads) e em seu blog: https://enricopierro.com.br/
escreve semanalmente para mais de 40 jornais e portais pelo brasil. seus textos também estão disponíveis nas redes sociais, onde compartilha reflexões sobre o cotidiano, sentimentos e humanidade.