às vezes a gente sente uma dor e, além da dor em si, vem junto a frustração de não entender porque aquilo aconteceu. e o problema maior nem é a ferida — é esse vazio ao redor dela, essa tentativa insistente de dar sentido a algo que simplesmente… aconteceu.
nessas horas, surgem os porquês. por que comigo? por que agora? por que desse jeito? e como raramente vem uma resposta imediata, a mente inventa: culpa, castigo, carma, azar. qualquer teoria serve, contanto que nos dê a ilusão de que existe algum controle.
mas talvez a coisa mais difícil de aceitar seja justamente essa: que não está sob controle. e que nem tudo precisa de uma explicação agora. crisipo, um filósofo estoico de dois mil anos atrás, dizia que tudo o que existe está conectado por uma razão maior. uma espécie de lógica universal, que organiza o caos mesmo quando ele parece gratuito. a gente sofre porque quer que tudo faça sentido já, na hora. mas às vezes o sentido vem depois. ou nunca vem — e, ainda assim, a vida segue.
olhar pra trás costuma ajudar. tem coisa que doeu tanto lá atrás e que hoje faz parte de quem a gente é. tem ausências que ensinaram mais do que qualquer presença. tem silêncio que salvou. tem recomeço que parecia fim.
o que crisipo propunha não era se conformar com tudo. era aprender a caminhar com o que é, mesmo quando o que é ainda não faz sentido. aceitar a dor sem transformar ela num inimigo. entender que, dentro de um universo que respira há bilhões de anos, é bem provável que algumas dores ainda estejam se ajeitando no tempo.
no fundo, é isso: nem tudo que acontece tem que ser compreendido de imediato. e tudo bem se por enquanto ainda parecer solto, desconexo. às vezes, o que hoje parece fora do lugar… é só uma peça que ainda não se encaixou.
enrico pierro
@enricopierroofc (Instagram, TikTok, X e Threads) e em seu blog: https://enricopierro.com.br/
escreve semanalmente para mais de 40 jornais e portais pelo brasil. seus textos também estão disponíveis nas redes sociais, onde compartilha reflexões sobre o cotidiano, sentimentos e humanidade.