Texto homenagem original publicada no nº 1 do Jornal de São Caetano, editado dia 28 de Julho de 1946, quando a cidade de São Caetano do Sul completou 70 anos de sua fundação aos ilustres fundadores de nossa cidade.
Há quase 138 anos, a 29 de Junho de 1877, deixavam as províncias de Treviso e Vitório Veneto, grupo de homens aventureiros, verdadeiras folhas soltas que passariam a flutuar de ventos estradeiros.
Quando o navio “Europa” deixava plácidamente o porto de Gênova, acena no convés os últimos adeuses à terra nativa aqueles valorosos homens. Lágrimas de velhos rolavam de semblantes enrugados no desafôgo da separação, talvez acariciavam as faces rosadas das crianças que, de há pouco, conheciam sua indômita pátria e que tão cêdo tinham que separar-se de seus carinhos e de sua proteção; mas sobretudo dos jovens, amantes fervorosos de sua terra natal, rolavam lágrimas de dôr em virtude da separação a que se votavam, depois de haverem retribuído as flores de suas ilusões e os frutos de seus trabalhos à pátria querida.
Por entre os espadanar das águas e apitos lastimosos, ouviram com certeza, aquêles peregrinos, os versos de Dante, que lhes diziam: “Era já hora em que volta o desejo aos navegantes, enternecedores do coração; era já o dia de dizer Adeus aos bons amigos que se vão.”
E, quando, após meses de viagem, a proa se defrontava com uma natureza maravilhosa, iluminada pelo sol do novo mundo, àquêles imigrantes admirados fitaram um cenário tropical de belíssimas côres, ao mesmo tempo em que a brisa marítima lhes levava aos ouvidosa a forte voz de um marujo, a gritar: Brasil, Brasil!
Chegavam, finalmente, ao país de que, além mar, tinham ouvido contar lendas fabulosas a respeito de suas riquezas e de suas florestas encantadas!
Erguia-se, imponentemente, aos seus olhos a gigantesca terra descoberta por Cabral e defendida por Garibaldi!
Pouco tempo depois, fundavam nesta planície, a “Colônia de São Caetano”, que era, então, apenas um quadro verde interrompido por místicas choupanas de sertanejos dispostas em redor de um singela igrejinha e pelo correr das águas do Tamanduateí, que se espreguiçava através daquelas colinas. Plácidas colinas, anúncios da encresposa serra do Mar, outrora transpostas pela altivez lusitana de Martim Afonso de Souza, eram as únicas vastidões a soerguer naquêle tapete de fecundas ramagens, colinas hoje caladas perante a altivez das chaminés, hoje recolhidas pela timidez, parecendo cochichar às indolentes águas do Tamanduateí, glórias do seu passado.
Mal chegados àquêles colonos não se deixaram cair no esmorecimento, não cruzaram os braços perante aquela natureza de que poderiam extrair sucos triunfais, que pudessem legar aos filhos como sinas de suas virtudes e dos seus trabalhos.
Jamais aquêles homens aceitaram o calor da ociosidade e da luxuria. Em tempo nenhum tiveram coragem de beber, nas fontes infâmias, águas que lhes instilassem indiferenças, hipocrisias, ódios e inveja. Nunca se acomodaram em macias poltronas à espera do dinheiro, do trabalho e do sacrifício alheios.
Não! Aquêles ardentes colonos, enternecidos pela mão que se lhes estendia a dar auxílio, empunharam a espada a ensopada do trabalho e principiaram a ceifar as adversidades que se lhes apresentavam, levando sempre a frente a bandeira auriverde, que os acolhia como segunda mãe. Enternecidos, também, pela tôsca cruz trazida das encapeladas terras de Savóia às serenas planuras de Piratininga, ergueram, nas relvas, onde talvez pisara a pé bronzeado dignavos índios, o templo de sua fé, o forte de sua vida e o agasalho do seu destino.
Templo rude erguido pela inapagável renúncia, onde cada tijolo era uma lágrima, cada fundamento um relicário de sua abnegação. Suas broncas paredes, despidas de reboque, tingiam-se élo coral do sol nascente e abafavam, naquelas manhãs dominicais, seus cânticos sagrado, cujas vozes subindo da cúpula ao céu infinitamente acolhedor pediam a Deus, a benção divina. E os febris coloniais aumentaram as famílias, e os filhos seus, ao ungirem-se pelas águas batismais eram iluminados por áquela mesma vela que nascera na algidez das catacumbas, parecendo, ao escorrer plangente de sua cêra, lágrimas de alegria, que se endureciam às calosas mãos dos progenitores, como estigma de eterna gratidão àquêles, imorredores de sua chama inapagável.
Altaneiros colonos eram aquêles!
E desde o tinir dos martelos ao batuque das formas do oleiro desde as batidas das carroças ao surro das foices, tudo se transformou numa sintonia magistral.
Chamados desde o crepúsculo ao trabalho, aquêles obreiros se engrandeciam a medida que engrandeciam a terra que os abrigava. E a terra maravilhosa, então, se modificou, levando seus cânticos de máquinas até bem longe, ganhando fama de parque industrial que refulge brilhante, no âmbito dêste grandioso São Paulo.
Hoje aquelas vérgeis planícies rasgadas pelas trilhas de selvagens, àquelas tortuosas estradas talhadas pela rinchiosa roda odentes dos carros de boi, àquelas várzeas, sangradouros do Tamanduatéi, branquejam-se pelos paredões de industrias e casarias.
Aqui, ouve-se o zunir de apitos, ali vemos os clarões das fornalhas, acolá, aguçam chaminés escancarando fumaça e anunciando aos visitantes: Progresso, Trabalho, Dedicação à Pátria!
Tôda esta grandeza, tôda esta forja de trabalho, tôda esta vida intensiva de hoje, se deve, sem dúvida alguma, em grande parte, àquêle punhado de homens valorosos que transformaram as verdes planícies em broto gigante de róseo porvir.
É quem pode-vos-ia esquecer, vós colonos que jazei à sombra da cruz esguia? Quem?
A continuação de vossa vida, a continuação de vossa fé será êste jornal. A vós a justa honra nestas páginas, o escrito de vossas lágrimas, as palavras de vossos sacrifícios.
Louvada seja a vossa renúncia, ó imorredouros colonos!
Louvada seja.