Segredo para o coração saudável: colesterol baixo por longo prazo

800 mil brasileiros apresentam colesterol com mutação genética, porém, menos de 1% recebem o diagnóstico e tratamento correto

Evitar o colesterol alto não é algo que deve ser feito de forma pontual, mas como condição para toda a vida. Quanto mais tempo a pessoa mantém o colesterol em níveis baixos, maior o benefício para a saúde do coração e menor o desgaste e os riscos de desenvolver doenças. Esse é um dos alertas do médico cardiologista Francisco Antonio Helfenstein Fonseca, presidente da Sociedade Latino-americana de aterosclerose, ex-presidente da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo.

Livre-docente de Cardiologia da Escola Paulista de Medicina e chefe do setor de Lípides, Aterosclerose e Biologia Vascular da mesma escola, o dr. Francisco Fonseca explica nessa entrevista como o tratamento continuado ajuda a evitar problemas cardíacos e as principais diferenças de quem adquire o colesterol alto pelos hábitos e quem enfrenta essa dificuldade devido a uma doença genética, a Hipercolesterolemia Familiar (também conhecida como HF).

O cardiologista avisa que com a exposição a níveis elevados de colesterol aumenta muito a chance de manifestações coronárias, especialmente para a maioria dos homens após 40 anos e mulheres depois dos 50 anos.

Instituto Lado a Lado pela Vida – Há tratamento para o colesterol originado por doença genética?

Dr. Francisco Fonseca – Sim. Nos casos leves de HF é possível obter o controle do colesterol com mudanças no estilo de vida. Quando é feita orientação nutricional, consegue redução de 15 a 20% nos níveis. Com uma mudança profunda é possível até diminuir 30% ou mais no LDL. Nos casos mais graves é preciso utilizar medicamentos. Essas reduções são insuficientes para quem tem um índice muito alto, chegando a 300, 400, 500 de LDL.

ILL – Existe um levantamento genético?

Dr. Francisco Fonseca – É possível fazer o sequenciamento genético para verificar se há variação, só que existem mais de 1.700 mutações. O processo é demorado e não acessível no dia a dia. E mesmo quem tem HF nem sempre consegue diagnóstico genético – são várias proteínas envolvidas nesse processo. O diagnóstico genético não atinge mais de 80% dos casos. O diagnóstico do HF acaba sendo bastante clínico.

ILL – Quais foram os avanços no tratamento com medicamentos?

Dr. Francisco Fonseca – Os remédios são combinados para atuar em diferentes pontos, como medicamento para bloquear a absorção do colesterol e outro para melhorar o funcionamento dos receptores, por exemplo. Para as duas formas de HF houve avanço nos medicamentos. Antigamente, não havia possibilidade de atingir um nível adequado de colesterol para quem tinha essa doença. O paciente precisava passar pela filtragem do sangue para retirar o excesso do colesterol. Outra possibilidade era a realização de cirurgia para diminuir a absorção de colesterol. Isso nas décadas de 1980 e 1990.

ILL – Muitas pessoas abandonam o tratamento quando há melhora do índice do colesterol. Em que isso prejudica o paciente?

Dr. Francisco Fonseca – No Brasil, a média do tratamento é de três a seis meses, quando o paciente abandona o acompanhamento. Com a exposição do organismo a níveis altos, o colesterol vai se infiltrando nas paredes dos vasos, que inflamam, podendo causar coagulação, que leva ao infarto.

ILL – E quais as vantagens para o organismo em dar continuidade ao tratamento, mantendo o colesterol baixo?

Dr. Francisco Fonseca – Dar sequência ao tratamento é essencial porque quanto mais tempo você mantém o nível do colesterol baixo, maior o benefício e redução do risco de ataques cardíacos e infartos. Quanto maior a redução do LDL, maior o benefício. Além disso, nas décadas de 1970 e 1980, pacientes que sofriam infarto continuavam sentindo constantemente dores no peito, tendo que passar por novas intervenções. Com a redução do colesterol, passou a ser minoria a quantidade de pacientes que precisam voltar para a mesa de cirurgia e diminui o registro de dores constantes pós infarto.

ILL – Os remédios podem causar algum efeito colateral?

Dr. Francisco Fonseca – Essa preocupação não é necessária, porque os estudos demonstram que a medicação não causa alterações com problemas renais, hepáticos ou nas funções cognitivas. É muito mais seguro tomar remédio para controle do colesterol do que tomar aspirina.

HF de pai para filho

O HF é uma mutação genética transmitida através do gene e passa de geração em geração, caracterizada pelos altos níveis de colesterol. Em casos em que apenas um dos pais tem a doença, a probabilidade do filho vir com a mesma mutação é de 50%. Essa é a forma heterozigótica de se adquirir a doença e a mais leve.

Já se ambos os pais biológicos tiverem a doença, essa criança tem 25% de chances de receber uma mutação do pai e outra da mãe, o que resulta na forma mais grave da doença.

O HF já é um problema mundial de saúde com mais de 10 milhões de pessoas acometidas, onde menos de 10% recebe o diagnóstico correto e desses, só 25% tem acesso ao tratamento.

No Brasil, a média é de 1 para cada 250 ou 300 pessoas para a forma heterozigótica e 60 a 200 mil em formas mais graves. O cardiologista explica que o aumentado nível de colesterol no organismo pode provocar doenças graves como ataques cardíacos, pontes de safena, angioplastia e processos cirúrgicos, ainda em uma idade muito precoce, com cerca de 13 anos e que a falta de diagnóstico ainda tem sido a principal dificuldade para os portadores dessa mutação “Embora haja no Brasil umas 800 mil pessoas com HF, acredita-se que menos de 1% desses casos estejam diagnosticados e tratados. Sem o diagnóstico precoce o risco é grande de ataque cardíaco e morte”.

Diagnóstico

A maioria dos pacientes não apresentam sinais físicos, mas em alguns casos mais graves eles podem ser detectados no exame clínico. Nos olhos, por exemplo, onde tem a íris, quando o colesterol está alto fica com uma borda amarela acinzentada. Outro sinal é a constatação de acúmulo de colesterol debaixo da pele: pode ficar junto dos olhos um depósito de gordura meio amarelada, que não é exclusivo da HF mas pode estar associado ao colesterol elevado. Também há acúmulo junto aos tendões dos pés, no calcanhar, e nos tendões das mãos.

Para casos específicos de HF, é importante ficar atento em níveis de colesterol acima de 190 e/ou casos na família, principalmente de pais e irmãos.

Além da taxa de colesterol, o perfil do paciente também deve ser um fator de atenção para a avaliação. Para quem já tem alguma doença coronária instalada, o nível de HDL deve ser próximo a 50 mg/dl, mas pacientes mais jovens, na base de uns 20 anos, e com um estilo de vida saudável podem apresentar entre 120 e 130 mg/dl, é o que afirma o especialista dr. Francisco Fonseca, “Nesse caso podemos manter uma dieta, sem apresentar riscos, mas se esse jovem tiver índices de 200, 300, tenho que mudar a orientação e incluir remédios e redução dos exercícios. Isso tudo é diferente para cada paciente. É preciso analisar individualmente e no contexto dos ancestrais”.

Mas qual a diferença entre os níveis de HDL e LDL?

Lembre-se, o HDL é o colesterol bom. Então deve subir e manter níveis acima de 40 mg/dl.

Já o LDL é o colesterol ruim. Deve-se ficar atento para manter as taxas abaixo de 70 mg/dl, então ele deve sempre descer.

Se a pessoa reduz o nível de colesterol a um índice médio por pelo menos um ano, diminui em 11% o risco de doenças cardiovasculares. Com seis anos de tratamento, a diminuição pode chegar a 50%.

No organismo, o colesterol é eliminado no fígado, pela bile. Há receptores, conhecidos como lipoproteínas, que captam o LDL que fica ancorado na membrana do fígado e o conduz para dentro do fígado, onde ele é degredado para ser metabolizado e eliminado. O receptor volta então para a superfície, para a membrana da célula para captar outro LDL. Cada receptor executa essa tarefa de 100 a 150 vezes antes de um novo receptor surgir. Na pessoa com HF, a quantidade de receptores é menor e, assim, o LDL acumula no sangue.

Metas para os portadores de HF:

Para quem já teve infarto ou tem diabetes: manter o LDL menor que 70.

Nunca teve manifestação de doença cardíaca: LDL menor que 100.

Crianças e adolescentes: LDL menor que 135.

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