Era um país um pouco estranho. Na verdade, as vezes pareciam dois países, mas era um só. A estranheza era que ele se dividia em país balão e país chão. O lado balão do país flutuava por aí, borboleteava, ora estava em um lugar, ora em outro. E essa liberdade e leveza fazia parecer que era um país feliz.
O lado chão era mais grave, pesado, difícil de mover. As vezes as pessoas quase desanimavam por não verem avanços. Isso fazia parecer um país menos feliz.
No país balão, não importava muito a verdade. Ora se dizia uma coisa de um jeito, ora de outro, e tudo bem. Ciência? Ora a ciência! Que importa? Também não importava cuidado. Para quê? Assim não havia preocupação com determinado tipo de pessoas. Principalmente quem não era do padrão normal, aceito pelas pessoas dominantes. Especialmente em relação a determinação ou opção de sexo, a determinação de cor, a poder ou não se manter bem. Por isso, reclamação de saúde, de alimentação, de abrigo, bobagem. Quem é do “padrão” tem essas coisas resolvidas. Porém à custa do sacrifício de quem não é.
No país chão essas coisas importavam. Havia quem se preocupasse em estudar as situações, encontrar alternativas, propor ações. Por isso, havia a preocupação em descobrir as verdades por trás das situações que tornavam tão difícil de avançar esse país. Havia a preocupação que todas as pessoas fossem respeitadas e acolhidas. Simplesmente por serem pessoas, independentemente de sexo, cor, poder de consumo. Em toda a sua diversidade.
Era assim. Porém, a grande questão é que não eram dois países, mas um só. E a pergunta mais importante era como aproximar esses dois modos de ser país, para transformar em um só, que garantisse a felicidade e o desenvolvimento das pessoas e do próprio país. Embora alguns não quisessem e fizessem tudo para isso não acontecer, havia quem se preocupasse e trabalhasse para isso.
Parecia impossível. Mas aos poucos alguns sinais foram surgindo. Apareceu quem se preocupasse em colocar no orçamento os que tinha menos condições; em pegar um pouco dos que tinham demais e nem sabiam bem quanto tinham, para repartir com os outros. Mas isso ainda era desacreditado e não muito claro para todos.
Porém, em determinado tempo, foram aparecendo sinais mais claros de que, enfim, o lado chão ia se movendo e absorvendo, mesmo que lentamente, o lado balão do país. Foi, por exemplo, quando o aparato jurídico determinou que nas certidões de óbito de algumas pessoas, constasse “morte não natural, violenta, causada pelo Estado a desaparecido no contexto da perseguição sistemática à população identificada como dissidente política no regime ditatorial…”. Quando um juiz da mais alta corte, determinou que crime de ocultação de cadáver de perseguido político não pode ser anistiado, pois o não aparecimento do cadáver não cessa quando termina o regime de exceção. E ainda mais, e surpreendentemente, quando um militar da mais alta patente foi preso para garantir que ele interferisse nas investigações de crimes que, potencialmente, o alcançariam.
Então constata-se, como disse Galileu, “Porém, se move”. E assim terminamos o ano com um pouco mais de esperanças.
Prof. Luiz Eduardo Prates