Nesta semana, ocorreu no Congresso Nacional uma sessão solene em comemoração aos 40 anos da redemocratização no Brasil, evento bastante sintomático do que a democracia representa em nosso país.
O símbolo desse evento foi a homenagem ao ex-presidente José Sarney, um político oligárquico, governador do Maranhão durante a Ditadura Militar e membro, desde 1965, do partido de sustentação do golpe de 1964, a ARENA. Sarney permaneceu no partido da ditadura até o último momento, e somente em 1984 migrou para o MDB, concorrendo como vice na chapa de Tancredo Neves.
Em síntese, um apoiador do golpe de 1964 que só abandonou a ditadura quando percebeu que a mudança de regime era inevitável. Esse é o tipo de figura homenageada pela democracia brasileira.
Outro ponto digno de nota é que a sessão foi presidida pelo atual presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, político ligado a grupos oligárquicos da Paraíba e sucessor de Arthur Lira, igualmente vinculado a oligarquias de Alagoas.
Feitas essas observações, que revelam um pouco do espírito da nossa redemocratização, devemos nos perguntar: a Nova República é realmente uma novidade ou a continuação histórica das sucessivas fases da nossa trajetória nacional, marcada pela alternância entre regimes autocráticos (ditatoriais) e democracias oligárquicas (autocracias institucionalizadas)?
Parece-nos acertada a avaliação de Luís Carlos Prestes em sua famosa entrevista ao programa Roda Viva, em 1986: “Na minha opinião, não há nenhuma Nova República. Se há alguma Nova República, ela nasceu igual à Velha. Não houve nenhuma alteração em profundidade. Todas foram superficiais. Eu nego, portanto, a existência de uma Nova República.”
Ao analisarmos o processo de transição — lento, gradual e seguro — da ditadura empresarial-militar para a democracia, percebemos muitas continuidades e duas vitórias fundamentais para a classe dominante brasileira.
A primeira vitória foi a ausência de transformações na estrutura produtiva e no modelo econômico herdado da ditadura, o que perpetuou a miséria de amplas camadas da população, manteve a estrutura fundiária colonial e a industrialização subordinada ao capital estrangeiro. Desde o início, os setores dominantes criaram obstáculos a qualquer transformação na base produtiva e na propriedade no Brasil, restringindo o debate a mudanças no aparelho institucional e na política.
Essa vitória também está ligada ao apagamento dos debates do movimento popular do período pré-64. Com o fim da ditadura, desapareceu de cena o melhor do debate de esquerda e nacionalista. Não se falava mais em reformas de base, mas em programas de distribuição de renda, como se fosse possível, em uma estrutura produtiva geradora de miséria, acoplar à circulação um processo de distribuição que corrigiria os graves problemas dessa estrutura.
A segunda vitória foi a realização da transição, em linhas gerais, da maneira como a elite brasileira e os militares entendiam que o processo deveria ocorrer. Obviamente, houve algumas derrotas para esses setores, mas, no fundamental, a transição aconteceu de forma segura e gradual, o que fica bem sintetizado na ausência de punição aos torturadores e na manutenção da tutela militar sobre o Estado brasileiro.
Citando mais uma vez Luís Carlos Prestes no Roda Viva de 1986: “Em qualquer democracia burguesa, as Forças Armadas são um instrumento do Estado. No Brasil, as Forças Armadas é que ditam ao Estado o que deve fazer. E continua a mesma coisa. De maneira que não houve nenhuma alteração profunda. Houve alteração, naturalmente, em elementos táticos. Hoje já podemos chamar os generais de torturadores e eles ficam calados. Porque, do ponto de vista tático, para eles é melhor calar, realmente.”
Por isso, quanto mais o tempo passa, mais a Nova República nos lembra a República Velha, com suas oligarquias, a primazia da exportação de matérias-primas e a degradação das condições de trabalho.
Max Marianek
Graduado em História
Funcionário Público