“Enquanto Houver Arco-Íris”, livro de Walter Neves traz memória pungente da luta contra a AIDS

Cientista responsável pelos estudos sobre Luzia, o esqueleto mais antigo das Américas, em sua estreia na literatura, narra sua história de amor e resistência nos anos 1980, em meio à explosão da epidemia de HIV

Há décadas estudando a história evolutiva da humanidade, o cientista Walter Neves decidiu contar, em primeira pessoa, uma das histórias mais emblemáticas da resistência LGBTQIAPN+ à epidemia de AIDS no Brasil. Seu livro não-científico de estreia, Enquanto Houver Arco-Íris (Editora Fino Traço), se passa maiormente em plena Amazônia dos anos 1980, e narra a saga real de dois homens apaixonados, isolados dos grandes centros urbanos, enfrentando o HIV com afeto e coragem. Um deles é o próprio Walter – o outro, é seu companheiro, Wagner Fernandes, falecido em 1992, vítima da doença.

Walter Neves é um nome incontornável na ciência brasileira. Bioantropológo e arqueólogo e doutor pela Universidade de São Paulo, ficou conhecido mundialmente por liderar os estudos sobre Luzia – fóssil humano de cerca de 13 mil anos, considerado o mais antigo das Américas, descoberto em Lagoa Santa–MG, em 1974 – que ampliaram o debate sobre a origem e a diversidade dos povos americanos. Neves também foi fundador do Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos da USP e, após sua aposentadoria, assumiu a coordenação do Núcleo de Pesquisa e Disseminação em Evolução Humana no Instituto de Estudos Avançados da mesma instituição.

Mas Enquanto Houver Arco-Íris, embora contenha informações científicas, não é um livro sobre fósseis. É sobre um grande amor agora revivido. E sobre a ciência de sobreviver em um país despreparado (ou indiferente) ao sofrimento de corpos dissidentes.

“Apesar de toda minha produção científica, me dei conta de que devia esse livro ao Wagner. Depois que me aposentei, abri algumas caixas que estavam guardadas há mais de 30 anos, encontrei pastas com correspondência, exames e recibos médicos, fotos e pensei: ‘é agora ou nunca’. Esse livro é uma dívida de amor”, diz Neves, que lança sua obra autobiográfica aos 67 anos.

A narrativa não-linear combina memórias emocionais com documentação histórica. Entre os materiais utilizados, estão recortes de jornais, registros de consultas médicas, anotações e documentos da militância gay da época. O livro também revisita a fundação do GAPA (Grupo de Apoio à Prevenção à AIDS) em São Paulo, do qual Wagner foi um dos fundadores e primeiro presidente, um dos primeiros a pressionar o Estado brasileiro por políticas públicas de saúde voltadas à população LGBTQIAPN+ e aos soropositivos.

“Nós mantivemos o Wagner vivo por quatro anos, num momento em que a expectativa de vida de quem contraía o HIV era de seis meses. Buscamos medicamentos no exterior, nos conectamos a tratamentos experimentais, como as desenvolvidas pela Guerrillas Clinics. Isso tudo no meio da floresta. Era amor com nervos de aço”, relata o autor.

Embora o autor afirme nunca ter sofrido homofobia explícita, o livro expõe o preconceito estrutural de uma medicina que, à época, nas palavras do autor, “tratava aidéticos como leprosos”. Neves também relembra algumas passagens, como quando ele e Wagner caminhavam de mãos dadas pelas ruas de Belém, sem esconder sua relação. E de como isso desafiava os imaginários sociais sobre masculinidade e cuidado.

“O que chocava as pessoas, não era só a nossa relação, mas o fato de um homem cuidar de outro homem doente com tanto amor. Achavam que era coisa de herói. Para mim, era o óbvio.”

Com um estilo que mescla humor ácido, emoção contida e observações agudas sobre ciência e o ato de amar, Enquanto Houver Arco-Íris é, ao mesmo tempo, uma autobiografia documentada, um ensaio histórico e uma carta de amor tardia, mas urgente.

“Quis um título otimista. Apesar de tudo, a esperança e o senso de humor nunca nos abandonaram. Sempre dizíamos que enquanto houver arco-íris, há o que viver.”

Sobre o Livro

Título: Enquanto Houver Arco-Íris — A saga de dois homens apaixonados enfrentando a AIDS na Amazônia nos anos 1980
Autor: Walter Neves
Editora: Fino Traço
Páginas: 304

Lançamento em: 17/06/2024, terça-feira, a partir das 17h, no Centro de Emprendedorismo e Pesquisa do Museu da Diversidade Sexual. Av. São Luís, 120 — República.

ISBN: 978-85-8054-725-2
Preço sugerido: R$ 95,00

Disponível em: livrarias físicas e pelo site: www.finotracoeditora.com.br/

Sobre o Autor

Walter Neves é antropólogo e arqueólogo, doutor pela Universidade de São Paulo, referência internacional em paleoantropologia. Tornou-se célebre por seus estudos sobre Luzia e o povoamento das Américas. Criador do Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos da USP, é atualmente coordenador do Núcleo de Pesquisa em Evolução Humana do IEA-USP.

Sobre a Fino Traço

Fino Traço Editora é uma casa editorial sediada em Belo Horizonte, com atuação nacional desde 2004. Reconhecida por seu catálogo de excelência nas áreas acadêmica e infantojuvenil, organiza suas publicações em coleções temáticas com curadoria de conselhos editoriais especializados. A Fino Traço mantém parcerias com agências de fomento como CAPES, CNPq e FAPEMIG, além de programas de pós-graduação em todo o país.