A aprovação do PL da dosimetria no Senado foi apresentada como um ajuste, um gesto de equilíbrio institucional. Na substância, porém, funciona como uma anistia disfarçada, desenhada para reduzir penas e relativizar responsabilidades de quem tentou dar um golpe no Brasil.
Quando crimes dessa natureza passam a ser tratados como excessos negociáveis, o sistema político deixa uma mensagem clara: ele sinaliza que tentativas de golpe podem ser negociadas retroativamente, desde que haja força política suficiente no Congresso. A extrema direita lê esse movimento não como derrota, mas como aprendizado.
O efeito político é previsível. Ao flexibilizar a resposta do Estado, o projeto sinaliza que investidas futuras podem contar, mais cedo ou mais tarde, com algum tipo de indulgência. A extrema direita entende esse processo não como fechamento de ciclo, mas como momento de acúmulo de experiência. Se hoje há revisão de penas, amanhã pode haver absolvição ampla. A tentativa fracassada vira um ensaio geral.
A postura do PT nesse processo merece crítica direta. Em nome da conciliação e da governabilidade, o partido aceitou um texto que esvazia o caráter exemplar das punições. A atuação do líder do governo no Senado, Jacques Wagner, expressa essa opção política: ceder para evitar atritos, mesmo quando o preço é alto. O problema é que conciliação permanente não neutraliza adversários; apenas reorganiza suas condições de atuação.
A história brasileira oferece exemplos claros desse mecanismo. Nos anos 1950, sucessivas tentativas de ruptura – da crise militar de 1954 às rebeliões de Jacareacanga (1956) e Aragarças (1959) – foram seguidas por perdões e anistias concedidas em nome da estabilidade. Longe de pacificar o país, essas decisões alimentaram a sensação de impunidade e contribuíram para a escalada que culminaria em 1964. O sinal emitido foi o mesmo: o custo de tentar derrubar a ordem era baixo.
O PL da dosimetria repete essa lógica. Não encerra a ameaça, apenas a posterga. Ao transformar punição em moeda de negociação, abre-se espaço para que novas aventuras autoritárias sejam tentadas com maior cálculo e menor medo. Governar não é apenas compor maiorias, mas definir limites. Quando esses limites cedem, o futuro cobra a conta.
Max Marianek
Graduado em História
Funcionário Público