Vivemos dias de incertezas e contradições.
As notícias veiculadas pela mídia, no mínimo, evidenciam o comportamento inadequado de pessoas que mantêm relações próximas ou exercem o chamado poder político. Em diversas situações a tentativa de justificar atitudes imorais e ilegais na honradez e lei, além de depreciar os valores éticos e morais, causa a sensação de esgarçamento do contrato social estabelecido a partir de um passado coletivo, quando foram considerados os fundamentos básicos de estabilidade da sociedade, o qual não pode ser menosprezados, mas sempre examinados sob a ótica do bom senso e respeito às normas vigentes, uma vez que forjados a partir da alienação da vontade pessoal como condição de igualdade entre todos.
Tal percepção, equivocadamente, gera um grande incômodo e o sentimento social comum de que os princípios democráticos, expressamente assegurados pela Constituição Federal, constantemente são corrompidos. Quem desconhece o poder prospectivo e o vigor do princípio da democracia – revelado pela própria etimologia da expressão que se deriva do grego “demos”, que significa povo, e “kratos” que quer dizer poder – diz que não existe perspectiva de reversão imediata do quadro político atual.
Esquecem-se os incautos que nos regimes democráticos sempre há a possibilidade de alternância nos poderes executivo e legislativo, de modo que a vontade soberana do povo, exercida por meio do voto, sempre deverá prevalecer.
O voto, além de ser um dos mais importantes meios de expressão da cidadania, enfatiza a inclusão sócio-política e amplia o processo democrático. O exercício constante e consciente da cidadania, a qual deve ser praticada em todos os espaços do cotidiano e das relações humanas, com a participação ativa na vida da sociedade, mas, sobretudo, pela liberdade que o ato eleitoral que encerra, inclusive, enseja o controle da autoridade.
De outra parte, ser omisso ou deixar de exercitar a cidadania implica na desatenção para questões que são importantes não só para a individualidade como para o coletivo e resulta em verdadeira alienação em relação àqueles que se posicionam.
Independentemente de qualquer conotação, seja de ordem política ou religiosa, toda pessoa deve se mobilizar em torno das questões que promovam a liberdade, a igualdade e a fraternidade, exercitando sua soberania que é legitimada pelo voto.
Essa postura, além de evidenciar consciência dos direitos e deveres a que todos estão submetidos, propicia a transformação do indivíduo e do meio em que vive. Aliás, deve-se ter sempre em vista que a governabilidade emana do povo e este não pode deixar de confiar na política – cujo termo que deriva do grego designa aquilo que é público – porque isso é muito mais grave do que a descrença no governante.
Mais ainda, é de se ter sempre claro que a expressão governo se relaciona ao exercício do poder do estado, ou seja, a condução política geral pelo ente que recebe atribuições da sociedade porquanto, numa democracia, o governo é escolhido pelo povo e em seu nome deve ser exercido.
Rousseau, com coerência filosófica e política, afirmou que o povo é soberano e que a soberania é a superação do estado de fraqueza, guiada pela razão humana. Portanto, o povo é soberano em suas vontades e escolhe as pessoas que irá representá-lo.
Porque é o eleitor/cidadão quem tem o poder-dever de escolher o candidato que sob todos os aspectos tem o melhor preparo para administrar a coisa pública, ou seja, o interesse público, praticar a cidadania é propiciar que essa reflexão seja feita e que toda pessoa, ao fazer o exame da sua atuação como cidadão, exerça seu papel na sociedade e sua ação política com consciência e responsabilidade.
Quando a escolha, o voto, privilegia o império da lei, o cidadão individualmente ajuda no aperfeiçoamento da sociedade, na sua evolução ética e moral, porque seu representante propiciará a justiça social, harmonia, fraternidade, o amor ao próximo, enfim, o bem comum.
Quem busca ajudar na sedimentação da ordem social precisa levar em conta os princípios democráticos, o respeito às leis e ao próximo, e deve se lembrar da lição compilada por Kardec (Livro dos Espíritos, Questão 930) no sentido de que “… Quando (o homem) praticar a Lei de Deus, terá uma ordem social fundada na justiça e na solidariedade e ele próprio será melhor.”.
Nesse contexto, mais do que simplesmente criticar, se envergonhar da forma como parte dos políticos tratam a coisa e o interesse público – muitas vezes desvirtuados e desconsiderados em prol de interesses personalíssimos – ou se omitir, é preciso compreender que é o cidadão quem tem o poder e o dever de coibir a ação daqueles que maculam os bons costumes, as leis e a representação que lhes foi outorgada, ao utilizarem instrumentos de corrupção, da mentira e da fraude para obter ilícitas e indevidas vantagens pessoais ou para seus pequenos grupos.
Diz um provérbio bíblico (29:2) que “quando os justos governam, o povo se alegra, mas quando o ímpio domina, o povo geme.” Quem exerce sua cidadania com coerência moral e ética demonstra ter responsabilidade e consciência de seus direitos e obrigações, bem como que o respeito de ambos contribui para a construção de uma sociedade melhor.
O bom trato da coisa pública – o bem comum – é o mote que deve orientar a atuação daqueles que exercem qualquer munus público e a representação que lhes é outorgada deve ser exercida por pessoas que, em qualquer situação, atuem dentro dos princípios da ética e da moral.
Neste ano, em que todo cidadão brasileiro será chamado para exercer o poder-dever cívico do voto, agir com responsabilidade ajudará na consolidação da cidadania e na transformação e evolução da sociedade, notadamente, ao escolher o justo para governar.
O voto consciente traduz essa assertiva e reflete uma atuação individual que privilegia o bem comum e não o interesse pessoal daquele que irá governar.
Urge que os homens de bem, ou seja, a maioria da sociedade, faça essa reflexão, bem como, repita-se, exerçam com consciência sua cidadania. Afinal, o homem de bem não declina da sua cidadania em prol da construção de uma sociedade mais justa e perfeita.
Paulo Eduardo de Barros Fonseca é vice-presidente do Conselho Curador da Fundação Arnaldo Vieira de Carvalho, mantenedora da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa.